O que prevê o acordo de coalizão na Alemanha

"DocumentoConservadores e social-democratas definiram a base programática do novo governo alemão, que deve assumir em maio. Regras mais duras sobre imigração, corte de impostos e redução da burocracia estão entre as medidas.Os dois partidos mais tradicionais da Alemanha anunciaram na quarta-feira (09/04) que chegaram a um acordo para formar um novo governo federal, que deve comandar o país a partir de maio.

A gestão será liderada pelos conservadores do bloco composto pelaUnião Democrática Cristã (CDU) e seu braço da Baviera, a União Social Cristã (CSU), que somados foram as legendas mais votadas nas eleições de fevereiro, com o apoio do Partido Social Democrata (SPD), do atual chanceler federal Olaf Scholz, que ficou em terceiro lugar no pleito.

Na Alemanha, os partidos que concordam em montar um governo assinam o chamado contrato de coalizão, que especifica quais mudanças legislativas e políticas públicas deverão ser implementadas ao longo de sua gestão.

O contrato anunciado na quarta-feira tem 144 páginas, e ainda precisa ser aprovado por instâncias partidárias do bloco CDU/CSU e do SPD, o que deve ocorrer até o início de maio. Em seguida, o líder da CDU, Friedrich Merz, deve ser eleito como novo chanceler federal pelo Bundestag (Parlamento).

Entenda alguns dos principais pontos do contrato:

Imigração

Uma das mudanças importantes no próximo governo será o endurecimento de leis e procedimentos sobre imigração, tema frequente durante a campanha eleitoral e ponta de lança do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), segundo mais votado nas eleições de fevereiro.

Mais controles nas fronteiras nacionais: a Alemanha é circundada por países da União Europeia (UE) e do Espaço Schengen, o que garante a livre circulação de veículos e pessoas por suas fronteiras terrestres. No entanto, já há alguns anos fiscalizações pontuais vêm sendo adotadas nas fronteiras, com o objetivo de impedir a entrada de pessoas de fora da UE que não teriam permissão legal para estar no país.

Desde 2015, a Alemanha vem adotando controles pontuais do tipo, primeiro ao longo de sua fronteira sul com a Áustria para impedir a chegada de imigrantes pela rota dos Bálcãs, e depois em todas as suas fronteiras. O novo governo quer intensificar o uso desse mecanismo, o que para alguns críticos pode ameaçar o próprio Espaço Schengen. Merz afirmou que isso se dará em “coordenação com nossos vizinhos europeus”, sem detalhar como.

Mais deportações: o provável futuro chancelar também anunciou que seu governo irá acelerar a deportação de estrangeiros que não têm permissão legal para estar na Alemanha, o que chamou de “ofensiva de repatriação”.

Há no país uma percepção difundida de que é muito difícil deportar pessoas que já tiveram seus pedidos de asilo negados pelo governo e que deveriam deixar a Alemanha, mas não o fizeram. No fim de 2022, estavam registrados 304.308 indivíduos como obrigados a deixar o país, enquanto no mesmo ano houve 12.945 deportações. O governo anterior da Alemanha, formado por social-democratas, verdes e liberais, também havia prometido fazer uma “ofensiva de repatriação”.

O tema segue em evidência no debate público, em especial diante de casos de ataques violentos provocados por pessoas que em tese já deveriam ter sido deportadas mas continuavam na Alemanha, como um em agosto passado em Solingen, que deixou três mortos, e um em Aschaffenburg em janeiro, com dois mortos.

Aumento de países de origem considerados seguros: um dos critérios levados em conta pela Alemanha para decidir se concede ou não asilo a requerentes é se seu país de origem é considerado seguro. Estão nessa lista países onde considera-se que não há perseguição estatal contra indivíduos e que o Estado em tese protege seus moradores de perseguição não-estatal.

No momento, são considerados países de origem seguros todas as 27 nações da União Europeia e outros dez países. O novo governo quer incluir mais nações nessa lista, o que dificultaria a concessão de asilo aos seus respectivos cidadãos.

Em discurso feito no Bundestag nesta quarta-feira, Merz também afirmou que seu governo acabará com os os programas voluntários de acolhida humanitária, que atendem de forma especial cidadãos de países em guerra ou em crise aguda, como do Afeganistão e da Síria. Ele também prometeu suspender por dois anos os vistos de reunião familiar concedidos a familiares de refugiados na Alemanha com status de proteção limitado.

Reforma na lei da cidadania: o novo governo reformará as regras para a obtenção da cidadania alemã, que já haviam sido alteradas na administração anterior com o objetivo de atrair mais migrantes qualificados para suprir a falta de mão de obra qualificada no país europeu.

A principal mudança será o fim da possibilidade de obter a cidadania alemã apenas após três anos de residência nos casos em que o candidato tenha demonstrado uma integração excepcional. O prazo mínimo para pedir o passaporte alemão será de cinco anos de residência no país, como já funciona hoje para a maioria dos casos.

Por outro lado, a coalizão descartou ideias que haviam sido publicamente aventadas, como a possibilidade de revogar a cidadania alemã de pessoas com dupla cidadania que fossem consideradas “apoiadoras do terrorismo, antissemitas e extremistas”

Economia

O acordo de coalizão também estabelece políticas para tentar aquecer a economia alemã, que registrou dois anos seguidos de recessão.

Redução de impostos: item frequente nos programas de governo dos conservadores da CDU/CSU, o contrato de coalizão prevê medidas para reduzir os tributos pagos por empresas.

O texto estipula, para os anos de 2025, 2026 e 2027, uma ampliação gradativa do valor que as empresas podem considerar como depreciação de seus novos equipamentos, reduzindo o montante de imposto devido. A partir de 2028, haverá uma redução escalonada do imposto de renda sobre pessoa jurídica em 5 pontos percentuais, aplicada em cinco etapas anuais de 1 ponto percentual.

Também está prevista a redução de imposto de renda de pessoa física das pessoas de renda baixa ou média, a partir da segunda metade da atual legislatura, com o objetivo de aumentar a renda disponível para consumo dos domicílios.

Redução do preço da eletricidade: o preço pago pela eletricidade tornou-se uma questão crítica para a economia alemã desde o início da guerra na Ucrânia, que acabou com o gás barato russo que alimentava o parque industrial da Alemanha. Isso já levou o governo anterior a também adotar políticas e fundos para reduzir os custos com eletricidade.

O contrato de coalizão do novo governo propões reduzir a taxa sobre eletricidade ao mínimo da União Europeia, reduzir as taxas cobradas das redes de distribuição e garantir um preço de eletricidade para as indústrias intensivas em energia.

Livre comércio: como o atual, o novo governo também se mostra engajado na aprovação de acordos de livre comércio, e cita o acordo entre Mercosul e União Europeia como um deles. Há também o plano de negociar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, que hoje promove uma guerra comercial global com a adoção de tarifas decretadas pelo presidente Donald Trump.

Reforma do Estado

O contrato de coalizão prevê também medidas para reduzir a famigerada burocracia alemã e o tamanho do Estado.

Redução da burocracia: o novo governo afirma que deverá ser possível registrar uma startup em 24 horas, por meio de uma plataforma digital, e promete ampliar a integração e a troca de informações entre órgãos do governo para otimizar procedimentos administrativos.

Também está previsto o fim da lei alemã de cadeia de suprimentos, que exige auditorias das empresas para garantir que seus fornecedores cumpram regras ambientais e trabalhistas. No lugar, será adotada apenas a norma da União Europeia sobre o tema, mais recente.

Redução do Estado: o novo governo se comprometeu a cortar em 8% o número de funcionários do governo federal e em 10% gastos administrativos de todos os ministérios, excluídos dessa conta os órgãos de segurança.

Cooperação internacional: uma área que deverá sofrer grandes cortes é a de cooperação internacional. O contrato de coalizão prevê uma economia total de 1 bilhão de euros com a redução de programas de financiamento de cooperação internacional e de organizações internacionais.

Incentivo ao trabalho: há medidas também com o objetivo de ampliar a força de trabalho ativa no país. Uma delas é isentar de imposto de renda de pessoa física quem já tem idade para se aposentar mas decide continuar trabalhando, no limite de 2 mil euros mensais.

As regras para receber o Bürgergeld, uma renda mínima paga a quem não trabalha e não tem mais direito a seguro-desemprego, serão endurecidas. O benefício trocará de nome e poderá ser cortado se ficar comprovado que o recipiente se recusa de forma repetida a aceitar um trabalho considerado adequado.

Para 2026, o novo governo também almeja subir o salário mínimo, hoje em 12,82 euros por hora, para 15 euros por hora (alta de 17%).

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