Por que a China não busca uma negociação?

A guerra comercial proposta por Donald Trump, tornou-se um duelo entre as duas maiores economias do mundo. Estados Unidos e China partiram para uma escalada sem precedentes da guerra tarifária elevando os tributos para os respectivos bens de seus adversários, e ultrapassando a margem dos 120%. O recuo estratégico do presidente norte-americano para dezenas de países deu certo fôlego ao mercado, mas a individualização da disputa com a China, preocupa investidores e empresas que dependem destes dois mercados para poder continuar alcançando lucros. 

À medida que as novas taxas eram anunciadas e as transações comerciais com tais tributos se tornavam insustentáveis, a economia deixava de ser o ponto mais relevante e a geopolítica ganhava força como a possível razão por trás das manobras. Para Trump ceder primeiro e buscar uma negociação seria o maior sinal de fraqueza demonstrado, especialmente se considerarmos que tudo se iniciou a partir de suas ordens executivas e agenda econômica. Para a China, dar o primeiro passo é comprometer sua posição de única nação que supostamente pode enfrentar os Estados Unidos economicamente.

Inegavelmente o que tornou a China um país rico, foi sua abertura econômica por Deng Xiaoping nos anos 1980, com seu potencial industrial de qualidade e baixo custo. Por muito tempo a China produzia bens industriais dos mais diversos para as outras nações, enquanto consumia produtos agrícolas de nações como Estados Unidos, Brasil e Índia. Esse cenário ainda é vigente de certa forma, mas a mudança de prioridade econômica promovida por Pequim, alterou de maneira rápida vários índices importantes.

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Em 2024 aproximadamente 80% dos alimentos consumidos na China, são produzidos internamente. Para itens básico e estratégicos para a segurança alimentar do país como o arroz, trigo, carne suína e de frango, os chineses praticamente alcançaram a autossuficiência na última década. Isso faz com que sua dependência externa de grandes nações agrícolas como os próprios Estados Unidos, tenha diminuído consideravelmente e dado uma posição mais confortável aos chineses.

Para os bens industriais a situação ainda está longe do ideal, mas em menos de 20 anos a situação também mudou drasticamente. Em 2006 as exportações representavam cerca de 35% do PIB chinês, em 2019 este número caiu para 17%. Isso reflete uma mudança de mentalidade importante, na qual o governo busca fortalecer o mercado interno, reduzindo a dependência do mercado externo e a volatilidade de suas demandas. Todas essas políticas nascem da doutrina de “dupla circulação” que almeja priorizar o consumo interno, mantendo a abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros.

Nesse cenário, a posição econômica da China se tornou muito mais competitiva com os Estados Unidos, não precisando aceitar de maneira imediata as imposições feitas pela maior economia do mundo. Caso essa mesma guerra comercial acontecesse há 10 ou 15 anos, a história seria outra e após os primeiros dias, os chineses provavelmente buscariam um acordo visando sua própria sobrevivência econômica. Contudo, as políticas implementadas de forma rápida, melhoraram consideravelmente sua posição de negociação, fazendo com que as escolhas de Xi Jinping agora, sejam mais baseadas nas suas pretensões geopolíticas às suas necessidades econômicas imediatas.

Apesar da posição mais confortável que ocupam agora, isso de maneira alguma significa que os chineses poderão escalar a guerra comercial ad eternum sem preocupações. O patamar atingido na última semana já inviabiliza muito do comércio dos dois lados e as perdas são consideráveis, o que evidencia a necessidade de um acordo para ambos os lados. As exportações para os Estados Unidos representam 2% do PIB da China de trilhões de dólares anuais, portanto, mesmo que seja percentualmente baixo, tem capacidade de produzir grandes estragos e Xi não quer isso de maneira alguma. Todavia, os chineses sabem que as mesmas preocupações se passam pela Casa Branca, e agora jogam com o tempo para ver qual será o país que sairá simbolicamente mais forte desta guerra produzida por Donald Trump.

A evolução do tabuleiro comercial e econômico do mundo em uma década foi impressionante. As mudanças internas produzidas pela China trouxeram um outro cenário geopolítico, outrora não imaginado por ninguém. A conclusão desse duelo depende agora do tempo, de escolhas temporais bem ou mal calculadas que irão determinar quem perderá menos dinheiro e quem ganhará mais prestígio internacional como a face da liderança mais altiva no mundo atual.

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