Ex-aeroporto que virou espaço aberto, Tempelhofer Feld pode perder 40% da área para edifícios residenciais e comerciais. Provável novo chanceler quer construir moradias e escritórios – contra referendo realizado em 2014.Outrora um campo de parada militar para o exército da Prússia e, mais tarde, um aeroporto que se tornou famoso como base para a ponte aérea que alimentou Berlim Ocidental durante a Guerra Fria, o Tempelhofer Feld, como agora é oficialmente chamado, foi aberto ao público como uma área recreativa em 2010. Estendendo-se por mais de três quilômetros quadrados, é um dos maiores espaços verdes urbanos do mundo e um dos favoritos dos moradores locais e dos turistas.
Agora, os planos de construção na área, antes descartados, estão ganhando novo impulso.
O governo de Berlim gostaria de ver a construção de vários edifícios de cinco a dez andares e diversos arranha-céus, reduzindo a área central do gramado interno de três quilômetros quadrados para 1,80 quilômetro quadrado. Cinquenta por cento da área construída seria destinada a uso comercial.
Os planos para desenvolver o antigo campo de aviação já foram frustrados uma vez por um referendo organizado localmente em 2014. No entanto, o provável futuro chanceler federal Friedrich Merz, do partido conservador União Democrata Cristã (CDU), pronunciou-se no período que antecedeu às eleições federais em fevereiro sugerindo que os políticos devem estar preparados para construir no terreno, mesmo que contra a vontade dos moradores locais.
A falta de moradias a preços acessíveis e a disparada dos aluguéis na Alemanha se tornaram uma das questões sociais mais urgentes do país. Há uma escassez de mais de 800 mil apartamentos, de acordo com o Departamento Federal de Estatística (Destatis), e o aluguel médio mensal cobrado em Berlim aumentou 85,2% de 2015 a 2024, passando de 8,50 euros (R$ 56,5) por metro quadrado para 15,74 euros (R$ 104,7).
Para resolver o problema, a nova coalizão de governo da Alemanha, formada pelo bloco de CDU e União Social Cristã (CDU/CSU) e pelo Partido Social Democrata (SPD), anunciou planos para turbinar a construção de moradias (Wohnungsbau-Turbo), reduzir a burocracia, cortar impostos e oferecer programas de financiamento para construção e modernização.
Os planos logo foram recebidos como “um enorme passo à frente” pela Federação de Empresas Alemãs de Habitação e Imóveis (GdW). O grupo de interesse do setor de construção apontou, em particular, para as “simplificações” das regras de planejamento, aquisição e meio ambiente, assim como para um fundo de investimento proposto para a construção de moradias.
Berlim ainda busca saída para crise habitacional
A Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Construção e Habitação de Berlim estima que são necessários mais de 100 mil novos apartamentos para aliviar o mercado superaquecido na situação atual. Espera-se que cerca de 200 mil pessoas se mudem para Berlim até 2040, fazendo com que a cidade precise construir uma média de 20 mil novos apartamentos por ano para atender à demanda esperada.
No entanto, as estatísticas oficiais mais recentes mostram um declínio na atividade de construção em 2023, quando apenas 15.965 apartamentos foram concluídos – fato atribuído às condições econômicas ruins e ao aumento das taxas de juros.
Mas fracassaram as tentativas de amenizar a crise habitacional com medidas que vão desde o controle de aluguéis a leis de locação mais rígidas, passando por tentativas de reprimir os especuladores que deixam as propriedades vazias ou alugam apenas apartamentos de curto prazo totalmente mobiliados, segundo Christian Müller, presidente da Associação de Arquitetos e Engenheiros de Berlim-Brandemburgo (AIV).
Müller é a favor de um desenvolvimento bem projetado na borda do Tempelhofer Feld, área de localização central e bem conectada, como um compromisso entre os vários grupos de interesse – também porque o local é de propriedade pública e, portanto, significativamente mais barato para os desenvolvedores. “É importante que sejam construídos apartamentos com preços justos no local. Deve haver uma boa combinação. As associações habitacionais de propriedade do Estado devem estar envolvidas, e devemos manter a diversidade”, disse Müller à DW.
Embora ele admita que quando se transformou de aeroporto em área de lazer o Tempelhofer Feld tenha sido extremamente bem recebido pelos moradores locais, assim como pelos políticos estaduais e federais, ele diz que a situação habitacional mudou drasticamente. “Noventa por cento dos berlinenses querem que tudo permaneça como está. Até o momento em que recebem uma ordem de despejo e têm que procurar um apartamento no mercado imobiliário”, diz Müller, acrescentando que poderiam ser criadas moradias para 100 mil pessoas em toda a área, sem que ela ficasse apertada demais.
Descrédito na promessa de moradias acessíveis
Parte reserva natural, parte área de lazer, o Tempelhofer Feld é agora o lar de vários projetos comunitários, desde um espaço experimental para arquitetura sustentável até áreas geridas por artistas, uma oficina de conserto de bicicletas e um clube de xadrez. É também um local de nidificação para várias espécies de pássaros em perigo de extinção na Alemanha, entre elas as cotovias, e um rebanho de ovelhas da raça skudde, em perigo de extinção, foi realocado para a área no intuito de ajudar a promover a biodiversidade.
“O Tempelhofer Feld é único. Ele só funciona como um todo – tire só mesmo uma parte dele e você destrói todo o seu valor”, diz Anita Möller, membro do grupo de ação dos cidadãos 100% Tempelhofer Feld, que organizou o referendo que impediu o desenvolvimento de projetos de moradia no local em 2014.
Olhando para as hortas comunitárias que surgiram no Tempelhofer Feld, onde os moradores cultivam flores, verduras e legumes, Möller aponta para um estudo de 2021 da Secretaria de Meio Ambiente de Berlim que enfatizou o caráter único do espaço urbano, com sua mistura de grandes áreas de conservação da natureza e de recreação. O estudo também destacou sua importância ecológica em termos de manutenção da biodiversidade, melhoria da qualidade do ar e resfriamento dos bairros densamente povoados do entorno.
Em 2014, cerca de dois terços dos eleitores berlinenses (64,3%) decidiram a favor da proteção do espaço contra a construção de moradias no terreno, e a lei de preservação resultante proíbe a construção ou expansão de edifícios existentes no local.
Agora, o governo local de coalizão CDU-SPD – que chegou ao poder em uma eleição de 2023 em que 39% dos eleitores citaram a habitação como a questão mais importante, acima de qualquer outra – está mais uma vez explorando planos para construir no local. Seu acordo de coalizão afirma que “desvios” de compromissos anteriores de não vender terras estatais “podem ser permitidos em casos individuais para cooperativas habitacionais orientadas para o bem comum”. E eles já lançaram uma série de consultas públicas e um concurso internacional de planejamento urbano para obter ideias sobre a melhor forma de construir no antigo campo de aviação.
Por enquanto, a sugestão é construir apenas na periferia da área – o prefeito de Berlim, Kai Wegner (CDU), disse ao jornal Tagesspiegel em novembro de 2024 que seria possível construir de 15 mil a 20 mil apartamentos no local – mas há forte oposição até mesmo a isso.
O Partido Verde e A Esquerda, oposição em Berlim, acusam a coalizão CDU-SPD de desperdiçar milhões de dólares dos contribuintes em consultas públicas e concursos de planejamento urbano, na tentativa de influenciar a opinião pública a favor da construção de apartamentos que, na realidade, apenas uma pequena parcela dos moradores poderia pagar.
“Eles continuam alegando que há necessidades habitacionais, mas sejamos honestos: o que importa aqui é dinheiro, especulação e sonhos de investidores. Se realmente se tratasse de resolver a crise imobiliária, teríamos opções melhores”, diz Möller, referindo-se ao Plano de Desenvolvimento Urbano 2040 do governo, que identifica outros locais onde até 222 mil moradias poderiam ser construídas.
A ideia de que o caminho para moradias mais acessíveis exige mais construção está ultrapassada, segundo Möller, que acredita que o governo precisa investir em novos tipos de desenvolvimento urbano “democrático e sustentável” que “respeitem nossos limites ambientais e o valor dos espaços abertos”.
Por enquanto, pelo menos a área é protegida pela Lei de Preservação do Tempelhofer Feld, introduzida após o referendo de 2014. Mas, como Möller aponta, isso poderia ser facilmente derrubado por uma maioria de votos no Legislativo de Berlim. “Moradia acessível fracassou em outros lugares. Por que deveríamos acreditar que de repente funcionará aqui? Uma vez construída, a área está perdida para sempre”, diz ela.