Em algumas produções de Hollywood, cientistas trabalham ao lado de diretores para criar cenários verossímeis, como buracos negros ou viagens planetárias. Sem perder de vista o objetivo principal: entreter o público.Em Hollywood, a produção de um filme costuma levar anos, além de envolver o trabalho de centenas, às vezes milhares de pessoas.
Em meio a orçamentos apertados, divergências criativas e outros aspectos do processo cinematográfico, pequenos detalhes acabam sendo deixados de lado.
Uma das primeiras vítimas desse processo pode acabar sendo o realismo. Quem nunca assistiu a um filme e pensou: “Fala sério, isso não é possível”?
Em última análise, os filmes são feitos para entreter, e o que é divertido e interessante muitas vezes prevalece sobre o que é plausível.
Às vezes, porém, os produtores se dão ao trabalho de convocar uma assessoria especial para garantir que o filme acerte: consultores científicos. Para muitos desses professores e pesquisadores, a ficção científica é seu gênero preferido.
“A diferença entre ficção científica e fantasia é que a ficção científica tem uma base na ciência real”, explica Mohamed Noor, biólogo da Universidade Duke que já foi consultor de duas temporadas da série Star Trek: Discovery. “[Nosso trabalho] é fazer com que a base na realidade seja a mais precisa possível.”
Na prática, isso significa garantir que as ideias apresentadas no programa sejam consistentes com os princípios científicos ou que uma hipótese sobre o que pode ser possível no futuro também seja baseada na ciência atual.
Ficção baseada em ciência pura
Em um dos episódios de Discovery, os roteiristas estavam atrás de uma nova espécie alienígena com uma doença misteriosa que seria extremamente difícil de curar.
Noor sugeriu então o uso de doenças causadas por príons.
Essas doenças extremamente raras são causadas por mutações de proteínas no cérebro que, eventualmente, levam à morte. A encefalopatia espongiforme bovina – mais conhecida como doença da vaca louca ou EEB – é um exemplo real.
“Não existe uma cura definitiva [para a EEB] no momento”, disse Noor à DW. “Então não é tão absurdo que, daqui a algumas centenas de anos, ainda não exista uma cura definitiva para ela. Sugeri príons como o conceito e, em seguida, diversas partes específicas relacionadas”.
Mas os consultores nem sempre conseguem dobrar os roteiristas. Quando foi chamado para ajudar a conceituar uma espécie alienígena totalmente estranha à compreensão humana, ele sugeriu uma raça que use comunicação química, semelhante à forma como os cães se comunicam por meio de odores. A premissa de Noor exigiria que os personagens humanos liberassem substâncias químicas para interagir com os alienígenas.
Os roteiristas, porém, acabaram considerando o conceito muito complicado.
“No fim das contas, a história prevalece sobre a ciência”, disse Noor. “Se alguém tiver que fazer algo que simplesmente não seja possível, eu o farei chegar o mais próximo do possível.”
“Mas o resto são ‘avanços científicos futuros que ainda não descobrimos’.”
Os espectadores querem ciência de verdade na ficção?
Uma pesquisa de 2017 realizada pelo Pew Research Center constatou que a representação em tela “não faz diferença” para 72% dos espectadores de ficção científica para a sua compreensão da ciência.
Mas Noor disse estar convencido de que uma representação fiel ainda é importante para o público.
“As pessoas reagiram com entusiasmo a Perdido em Marte”, aponta Noor ao lembrar do longa de 2015 dirigido por Ridley Scott. “Houve muita discussão online sobre como praticamente tudo o que foi mostrado naquele filme emocionante era realista. Interestelar é outro exemplo.”
Em Interestelar, quem esteve por trás foi o físico ganhador do Prêmio Nobel Kip Thorne, que se baseou em suas próprias teorias para criar as representações de buracos negros do filme.
Já em Perdido em Marte, o crédito pelas representações realistas da vida solitária em uma estação no planeta vermelho – em parte responsáveis pela aclamação do público – , cabe a Jim Green, ex-chefe do escritório de operações de dados de ciência espacial da Nasa.
Ambos os filmes também foram sucessos de bilheteria, arrecadando centenas de milhões de dólares globalmente, além de várias indicações ao Oscar. Interestelar chegou a ganhar o Oscar de melhores efeitos visuais.
Para Noor, os diferentes graus de realismo oferecidos por esses filmes podem ser comparados com um bufê: cada um escolhe o que lhe agrada mais.
“Tenho certeza de que tem gente que não se importa muito […] mas há aqueles que realmente apreciam e buscam realmente entender”.
Qual é o valor da ficção científica na educação?
Segundo dados da Associação Internacional para a Avaliação do Desempenho Educacional, sediada na Holanda, os Estados Unidos continuam apresentando queda nas notas dos testes de ciências do ensino fundamental. Os alunos americanos do quarto ano se encontram agora nove pontos abaixo dos níveis de 1995, quando o estudo foi realizado pela primeira vez.
Ao mesmo tempo, adolescentes e adultos estão se afastando dos meios de comunicação tradicionais e migrando para as mídias sociais em busca de notícias e informações, que priorizam o entretenimento em detrimento do valor educacional.
Os consultores científicos, portanto, veem seu trabalho não apenas como uma paixão, mas também como um dever de ajudar a engajar o público por meio de qualquer meio.
“Há pessoas que vão se tornar ornitólogos ou cientistas de qualquer jeito. Isso é ótimo”, disse Noor. “Nem todo mundo vai fazer isso. E se simplesmente aceitarmos o fato de que nem todo mundo vai fazer isso, de que outras maneiras podemos empolgá-los?”
Na Universidade Duke, ele incorporou Star Trek ao seu currículo, usando a série fictícia como exemplos para teorias da evolução e genética. Ele também leva essas palestras para convenções, na esperança de inspirar os fãs a explorar a ciência do mundo real.
A estratégia de inspirar decisões reais por meio da ficção já funcionou no passado: em uma entrevista à revista PC Mag, Green chegou a mencionar a série original de Star Trek como uma inspiração para seu interesse desde cedo pela ciência.
“Há uma razão pela qual chamamos isso de ‘cultura pop’ – ‘pop’ vem de ‘popular'”, diz Noor. “Se eu conseguir alavancar essa popularidade e entusiasmá-los pela ciência, acho que tudo está bem.”