Médicos sírios que atuam na Alemanha voltam ao país natal para reconstruir sistema de saúde

"OMais de 6 mil médicos sírios atuam na Alemanha. Após a queda de Assad, alguns estão retornando como voluntários para realizar cirurgias gratuitas e reconstruir infraestrutura. Hospitais alemães temem efeito de ausências.Uma missão médica composta por profissionais nascidos na Síria que vivem e trabalham na Alemanha salvou a vida do também sírio Mohammed Qanbat.

Os médicos viajaram à Síria para realizar uma série de cirurgias. Qanbat, de 55 anos, passou por um procedimento de coração aberto, que raramente é realizado no país devido à condição deteriorada do sistema de saúde após 14 anos de guerra civil.

“Não consigo expressar o quanto estou feliz e grato”, disse Qanbat à DW. “É algo que vai além das palavras. Esperamos tanto tempo para que nossos filhos viessem nos ajudar”, disse ele, referindo-se ao fato de que muitos sírios fugiram de seu país durante o extenso conflito civil. “Mas eles não se esqueceram de nós. Eles voltaram para nos ajudar.”

Não há dados exatos sobre quantos profissionais de saúde deixaram o país durante este período. De acordo com o Banco Mundial, cerca de 30 mil médicos atuavam na Síria em 2010, um ano antes da eclosão do conflito. Em 2020, o único período em que a ONU coletou dados similares, menos de 16 mil continuavam a atuar no país. Enfermeiros, farmacêuticos e dentistas também fugiram.

A política de abertura da ex-chanceler federal alemã Angela Merkel e a carência de profissionais da saúde no país abriram caminho para muitos sírios irem para a Alemanha.

Hoje, mais de 6 mil médicos de nacionalidade síria trabalham no sistema de saúde alemão, o maior grupo de estrangeiros atuando no país. A projeção, porém, é que esse número chegue a 10 mil, já que a estatística considera apenas os médicos que possuem passaporte sírio. Ou seja, aqueles que receberam a cidadania e passaporte alemães não são mais contabilizados como funcionários estrangeiros.

Primeira missão na Síria

Após a queda do ditador sírio Bashar al-Assad no início de dezembro de 2024, alguns desses médicos sírios se uniram para fundar a Syrian German Medical Association, a Associação Médica Alemã-Síria, ou SGMA. Tudo começou com um pequeno grupo de WhatsApp de profissionais que queriam ajudar a população de seu país natal, conta Nour Hazzouri, médico sênior especializado em gastroenterologia que trabalha no Hospital Helios em Krefeld, no oeste da Alemanha.

Logo o grupo de WhatsApp se tornou uma página no Facebook e, em meados de janeiro, a SGMA foi oficialmente fundada. Atualmente, ela tem cerca de 500 membros. “Até nós ficamos surpresos com a rapidez com que ela cresceu”, observou Hazzouri.

Este mês, os membros da SGMA realizaram sua primeira missão no país. Desde o início de abril, cerca de 85 médicos sírios do grupo estão na Síria dando palestras educacionais, avaliando a condição do sistema de saúde sírio e realizando cirurgias em todo o país.

Até a queda de Assad, muitos não podiam retornar ao país devido à perseguição do regime.

Um dos desafios tem sido o estado dos equipamentos nos hospitais sírios, afirmou Ayman Sodah, médico sênior e cardiologista do hospital Rhön Klinikum em Bad Neustadt, na Baviera, ao canal de notícias Al Jazeera, ao sair da sala de cirurgia do município de Hama.

“Está claro que, durante os [últimos] 15 anos, nada foi renovado”, disse ele.

“Antes da guerra, a Síria era um país de renda média com indicadores de saúde relativamente bons”, informou anteriormente a Brookings Institution, um think tank com sede em Washington. No entanto, durante o conflito, instalações de saúde foram regularmente atacadas pelo regime de Assad. Sanções internacionais também deterioraram a economia e a capacidade do país de renovar suas instalações médicas.

Mas este não foi o foco de uma reunião sobre o tema que reuniu 300 pessoas em Damasco, no último domingo. Na ocasião, a delegação da SGMA falava a autoridades locais, médicos e organizações civis sobre a missão de saúde com um clima de esperança e otimismo.

“Estou bastante animado”, disse Mustafa Fahham, médico sênior do departamento de nefrologia e diálise do Hospital Bremerhaven, no norte da Alemanha, à DW em Damasco. “Todos os sírios tinham, no fundo de suas mentes, um medo que estava ligado a Assad. Agora esse medo se foi. Portanto, estou me sentindo bem e feliz por estar aqui em Damasco, onde finalmente posso ajudar a apoiar o sistema de saúde sírio.”

“A ideia para realizar essa missão durante os feriados [da Páscoa e do Ramadã] surgiu porque muitos médicos queriam visitar suas famílias na Síria, algumas das quais não viam há 14 anos”, explica Hazzouri, o gastroenterologista do hospital de Krefeld. “Isso despertou a ideia de usar esse período para prestar assistência médica também.”

A missão começou com um questionário online e, em uma semana, mais de 80 voluntários se inscreveram.

Hazzouri admitiu que a segurança ainda é um problema em algumas partes da Síria, portanto os médicos não podem trabalhar em todos os lugares. “Mas o maior desafio foi realmente o custo dos materiais”, disse ele.

Parcerias úteis

Os voluntários sírios custearam a maior parte da viagem por conta própria, pagando a viagem e arrecadando dinheiro para equipamentos médicos, disse Hazzouri à DW.

“Muitos trouxeram doações de suas clínicas. Ao mesmo tempo, lançamos uma campanha online de arrecadação de fundos, por meio da qual conseguimos angariar quase 100 mil euros em um mês, principalmente de médicos sírios na Alemanha. As ONGs sírias locais também nos apoiaram com doações de materiais.”

Até o momento, não houve apoio oficial do governo alemão. No entanto, os membros da SGMA participaram da conferência do Ministério do Desenvolvimento da Alemanha, em meados de fevereiro, sobre alianças hospitalares entre a Alemanha e a Síria, que Hazzouri descreveu como “um passo importante na direção de uma possível parceria”.

O Ministério da Saúde da Síria forneceu autorizações para os médicos da SGMA trabalharem. O novo ministro da saúde da Síria, o neurocirurgião Musab al-Ali, também trabalhou anteriormente na Alemanha e esteve envolvido com a Syrian Community in Germany (Comunidade Síria na Alemanha), uma organização de defesa de direitos.

Outra campanha de ajuda médica que também foi lançada este mês na Síria, “Shifa, Hand in Hand for Syria”, está mais diretamente ligada à Comunidade Síria na Alemanha e ao Ministério da Saúde da Síria. Cerca de 100 médicos sírios também estão envolvidos nessa campanha.

Em casa, na Síria ou na Alemanha?

A maioria dos médicos voluntários da SGMA retornará a seus empregos na Alemanha. No entanto, uma pesquisa recente da Associação Síria de Médicos e Farmacêuticos na Alemanha constatou que 76% de seus membros pensam em voltar para seu país natal permanentemente.

Em uma entrevista à DW realizada em dezembro, o presidente do conselho da Associação Alemã de Hospitais, Gerald Gaß, disse que o sistema de saúde do país depende de trabalhadores estrangeiros e que uma saída em massa afetaria o atendimento em todo o país.

Em entrevistas recentes à mídia alemã, os médicos sírios expressam regularmente sua preocupação com o aumento da ultradireita e da pauta anti-imigração, bem como com a dificuldade que alguns encontraram para serem totalmente aceitos na Alemanha.

“Nós consideramos [permanecer] na Alemanha e, é claro, nem todos os médicos iriam embora de uma vez”, disse Fahham, médico do Hospital Bremerhaven, à DW em Damasco. “Por outro lado, também nos sentimos leais à Síria. Mas acredito que podemos chegar a algum tipo de plano em que possamos ajudar aqui, e cobrir também o sistema de saúde alemão.”

De fato, as palestras da SGMA na Síria também serviram para aconselhar estudantes de medicina ou médicos que querem trabalhar na Alemanha, disse Muaz al-Moarawi, um médico que atua em Gelsenkirchen e que estava em Damasco para a SGMA.

“A Síria precisa de muita ajuda neste momento para reconstruir seu sistema de saúde. Mas a Alemanha também precisa de médicos e equipes médicas sírias”, defendeu al-Moarawi à DW. “O que queremos é ser uma ponte entre a Síria e a Alemanha, uma ponte da qual ambos os lados possam se beneficiar.”

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