Governo foi alertado sobre risco de vazamento de segredos de Estado na investigação da Abin


Diretor da agência reclamou à Casa Civil que a PF apreendeu material fora do escopo da apuração e poderia expor métodos e identidades de funcionários da agência. Delegados negam erro e acusam Abin de atuar ilegalmente. Luiz Fernando Corrêa, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência.
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O governo Lula foi avisado de que a investigação da Polícia Federal sobre a ABIN poderia extrapolar o objetivo inicial da apuração e acabar revelando segredos de Estado.
Foi exatamente o que ocorreu com o vazamento da informação de que o Brasil espionou autoridades paraguaias, um dado que não tinha relação com o foco da investigação.
Em 26 de janeiro de 2024, quando a PF cumpriu mandado de busca e apreensão na agência, o atual diretor-geral da Abin, Luís Fernando Corrêa (que, à época, estava indicado para o cargo, mas ainda não havia sido aprovado pelo Senado), foi ao Palácio do Planalto e se reuniu duas vezes com o ministro da Casa Civil, Rui Costa.
Corrêa reclamou que a PF estava promovendo uma distorção criminosa dos fatos para atingi-lo. Alertou que os agentes haviam levado material sem qualquer vínculo com a investigação e que isso poderia resultar no vazamento de segredos de Estado, métodos e identidades de oficiais de inteligência.
Ele pediu ainda que os nomes dos agentes fossem preservados. Ou seja, nos depoimentos, eles seriam identificados apenas por números, com os nomes reais mantidos sob sigilo judicial em volumes separados do inquérito. Os chamados “autos apartados”.
Os cuidados, no entanto, não foram tomados. Em depoimentos aos quais o blog teve acesso, são citadas as identidades de diversos oficiais de inteligência. É como se o FBI revelasse nomes e métodos de agentes da CIA.
Os encontros entre Luís Fernando Corrêa e Rui Costa foram noticiados pelo blog no mesmo dia em que ocorreram.
O inquérito da “Abin paralela” foi instaurado para apurar se o ex-diretor Alexandre Ramagem utilizava a agência para espionar adversários do governo Bolsonaro com a ferramenta First Mile.
Em um dos depoimentos, um oficial de inteligência foi questionado sobre outros dois sistemas apreendidos durante as buscas: o Cobalt Strike e o LTE Sniffer.
O agente respondeu que o Cobalt Strike era usado para desenvolver um artefato de intrusão em computadores do governo paraguaio, com o objetivo de obter dados relacionados à negociação bilateral de Itaipu, mais especificamente, os valores da energia elétrica vendida ao Brasil, um tema sensível à segurança energética nacional.
Ele acrescentou que a operação havia sido autorizada para obter os valores que seriam negociados no anexo C do tratado de Itaipu, e afirmou que foram invadidos o Congresso do Paraguai, o Senado, a Câmara e a Presidência da República.
Como se trata de um fato grave e desconectado do foco da investigação original, o procedimento correto, segundo policiais ouvidos pelo blog, seria o delegado comunicar os superiores e tratar o caso em autos apartados, cabendo à Justiça decidir sobre a abertura de uma nova investigação.
O blog ouviu autoridades da Polícia Federal. Elas alegam que a corporação não poderia se omitir diante da revelação de um suposto crime. Quanto à falta de cuidado com o sigilo das informações, sustentam que os delegados têm independência para conduzir suas investigações e argumentam que a Abin atua à margem da lei, sem regramento.
“O problema da espionagem no Paraguai não foi o vazamento. Foi o fato de a Abin ter executado uma missão criminosa, à revelia da lei. Estão tentando matar o mensageiro para encobrir os crimes. A Abin precisa ser refundada em novas bases”, afirmou ao blog um delegado da cúpula da PF.
Diretor-geral e ex-diretor da Abin prestam depoimento à PF em Brasília
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