Por que “Orgulho e Preconceito” ainda encanta o público após 20 anos?

Uma das cenas mais icônicas de “Orgulho e Preconceito” (2005) é a do primeiro pedido de casamento. Mesmo quem ainda não assistiu ao amado filme provavelmente tem alguma ideia da cena.

Debaixo de uma chuva torrencial, Mr. Darcy (Matthew Macfadyen) — com o cabelo molhado caindo sobre a testa — confessa sua adoração à espirituosa protagonista Elizabeth Bennet: “Eu te amo, ardentemente.”

Quem conhece a história sabe o que acontece depois. Elizabeth (Keira Knightley) o rejeita, e os dois seguem caminhos opostos, mantendo o romance tenso e cheio de idas e vindas. Mas, no romance original de Jane Austen, a cena acontece dentro de casa, sem chuvas constantes ou colinas ao fundo.

E, no livro, sem nenhuma pista real sobre os sentimentos de Mr. Darcy, seu pedido de casamento surge como um choque total. Já na versão dirigida por Joe Wright, há sinais: respirações contidas, mãos tensas e uma tensão sexual espessa o bastante para ser cortada com uma faca.

Esses são apenas alguns dos elementos que distinguem essa versão de “Orgulho e Preconceito” do romance original. E é uma das razões pelas quais esse filme ressoou até mesmo com quem não se considera fã de Austen.

A versão de Wright de “Orgulho e Preconceito” está de volta aos cinemas norte-americanos esta semana, em comemoração aos 20 anos de seu lançamento. Por isso, revisitamos como, exatamente, o filme continua a enfeitiçar o público — corpo e alma.

Filme se afasta um pouco do romance de Austen

Enquanto “Orgulho e Preconceito” já foi adaptado em diversas minisséries e versões modernas ao estilo Hallmark, o filme de Wright é considerado apenas a segunda adaptação cinematográfica fiel, ao lado do longa de 1940, estrelado por Greer Garson e Laurence Olivier.

Até sua estreia há 20 anos, a minissérie da BBC de 1995, com Colin Firth como Mr. Darcy, era vista como a adaptação visual mais emblemática. Muitos fãs de Austen ainda preferem essa versão, que, com mais de cinco horas de duração, segue o romance de forma mais rigorosa.

Mas, como se vê na cena do pedido de casamento, as liberdades que Wright toma com o texto contribuem para o charme de sua adaptação.


O Sr. Darcy e Elizabeth brincam enquanto dançam em um baile
O Sr. Darcy e Elizabeth brincam enquanto dançam em um baile • Moviestore/Shutterstock via CNN Newsource

Embora Devoney Looser, especialista em Jane Austen e autora do futuro livro “Wild for Austen”, considere a minissérie de 1995 sua adaptação favorita, ela conta que a maioria de seus alunos prefere o filme de 2005. Com o tempo, ela também passou a reconhecer seus méritos.

A abordagem de Wright para Mr. Darcy é um dos principais diferenciais. No texto original — e também em grande parte na versão de 1995 — o personagem é distante e ríspido. Seus sentimentos são em grande parte ocultos, o que faz com que o primeiro pedido de casamento seja uma surpresa, segundo Looser.

O Darcy de Macfadyen é diferente. Embora ainda seja reservado, é mais introspectivo e atormentado, e o público vê claramente o efeito que a presença de Elizabeth tem sobre ele. Ele é incompreendido e cheio de desejo, mais do que apenas desagradável. Isso o torna desejável — não apenas para Elizabeth, mas para quem assiste ao filme.

Wright não foi o primeiro a tornar Mr. Darcy atraente para o público; na verdade, essa ideia de um “Darcy charmoso” aparece em muitas adaptações do século 20, segundo Looser. Mas Wright aprofunda ainda mais a tensão romântica. E, como espectadores, ficamos fisgados.

“O público tem algo em que investir emocionalmente”, diz Looser. “E também, acho, no desejo sexual por Darcy, visualmente falando.”

Note a cena em que Jane (Rosamund Pike), irmã de Elizabeth, adoece em Netherfield, onde Mr. Darcy e seus amigos estão hospedados temporariamente. Quando Elizabeth vai visitá-la, ouvimos Caroline Bingley, fora de cena, dizendo que ela parece “positivamente medieval”.

Mas a câmera se concentra na linha de visão de Mr. Darcy — ou seja, não vemos o vestido enlameado de Elizabeth ou suas botas sujas. Em vez disso, a câmera se demora nos olhos arregalados dela e em seus cabelos soltos — um contraste marcante com o foco do livro e de outras adaptações, segundo Looser. O público tem um vislumbre dos sentimentos tensos e confusos de Darcy.

E tem também a famosa cena do “flexionar da mão”, tão conhecida que a distribuidora Focus Features agora vende camisetas e moletons estampados com a mão estendida de Macfadyen.

Na cena, Mr. Darcy ajuda Elizabeth a subir na carruagem. Quando ela entra, ainda segurando sua mão, ele solta a palma dela, se vira e se afasta, enquanto ela observa, confusa. Então, ele flexiona a mão, como se tivesse levado um choque — uma liberação da eletricidade emocional provocada pelo toque dela.

Wright nos dá esse vislumbre visual da mente e dos sentimentos de Darcy, diz Looser — algo que Austen não faz. Essa tensão, construída ao longo do filme, prende a atenção do público e enche até os momentos mais cotidianos de intensidade.

Mas o “Orgulho e Preconceito” de Wright não é apenas uma história de amor. Embora muitas adaptações revelem o interior emocional de Darcy, Wright estende esse olhar a todos os personagens, segundo Justin Smith, professor de história do cinema e da televisão na De Montfort University, em Leicester, Inglaterra.

Veja Mary (Talulah Riley), irmã de Elizabeth. Quando a jovem anuncia que recusou o pedido de casamento de Mr. Collins, a câmera de Wright foca em Mary, cujo rosto se enche de uma expressão melancólica.

“É quase como se ela dissesse: ‘Eu diria sim, se ele me pedisse’”, diz Smith. “E toda uma história paralela surge ali.”

Essas pequenas janelas dão vida a todos os personagens, diz Smith, de uma forma que não acontece em outras versões. Juntas, elas criam um mundo rico para o público mergulhar.

Além do romance, o “Orgulho e Preconceito” de Wright é uma história sobre família — e quem não se identifica com uma mãe insistente ou com ciúmes entre irmãos?


Rosamund Pike interpreta a Jane Bennet mais velha
Rosamund Pike interpreta a Jane Bennet mais velha • Alex Bailey/Working Title/Kobal//Shutterstock via CNN Newsource

Hoje, o filme ressoa de forma diferente

Quando foi lançado, o “Orgulho e Preconceito” de Wright foi um sucesso de bilheteria, arrecadando mais de US$ 121 milhões (cerca de R$ 708 milhões) no mundo todo, com um orçamento de US$ 28 milhões (aproximadamente R$ 164 milhões) e um elenco liderado por dois jovens talentos.

O crítico Roger Ebert deu ao filme, que foi indicado a quatro Oscars, nota máxima: quatro estrelas. A trilha sonora é repleta de piano suave e canto de pássaros; a câmera passeia por colinas verdejantes. Cada quadro parece uma pintura.

Mas o relançamento acontece em um momento muito diferente daquele de 2005. Os cinemas estão em declínio, analistas lamentam o fim dos filmes de orçamento médio, e os dramas românticos não são mais tão comuns quanto antes. Embora isso não tire a beleza do filme, o público hoje o encara com um olhar distinto.


Sr. Darcy e Sr. Bingley (Simon Woods) a caminho para partir alguns corações
Sr. Darcy e Sr. Bingley (Simon Woods) a caminho para partir alguns corações • Working Title/Kobal/Shutterstock via CNN Newsource

Pessoas lotaram os cinemas para ver a adaptação de 1940, que foi produzida durante a Segunda Guerra Mundial como parte de um esforço para elevar o moral, segundo Deborah Cartmell, professora de inglês na De Montfort University e especialista em estudos de adaptações. O público ansiava por uma Inglaterra nostálgica — “digna de ser defendida”.

Algo semelhante pode estar em jogo hoje, diz ela. “Assistir ao filme faz você sentir uma nostalgia real dos anos 2000,” diz Cartmell. “Em tempos tão turbulentos, é uma história reconfortante de acompanhar.”

Há também algo tranquilizante em ver duas pessoas se conhecendo e se apaixonando — não de maneira idealizada, mas de um modo que parece natural e verdadeiro. Hoje, quando boa parte dos romances acontece via aplicativos e mensagens de texto, ver uma intimidade cara a cara pode ser nostálgico, segundo Smith.

“Os filmes nos lembram da natureza tangível e intensa da emoção e da intimidade humana, do ato de realmente conhecer alguém em espaços físicos,” diz Smith. “Pode parecer exagero, mas acho que sentimos saudade do romance e da conquista amorosa que precedem os rituais e convenções da era digital.”

O drama de “Orgulho e Preconceito”, de Wright, nos lembra dessa forma mais orgânica de conhecer alguém, descobrir quem ela é — e se apaixonar. Isso, diz Smith, é algo que merece ser celebrado.

Assista ao trailer

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Este conteúdo foi originalmente publicado em Por que “Orgulho e Preconceito” ainda encanta o público após 20 anos? no site CNN Brasil.

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