Putin quer parecer o mocinho propondo cessar-fogo. É uma armadilha

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no jornal The Moscow Times

Por Joshua R. Kroeker

Conforme se aproximava a Páscoa Ortodoxa (celebrada neste ano em 20 de abril, junto da Páscoa Católica), o presidente russo Vladimir Putin tomou uma atitude conhecida: pediu um cessar-fogo na Ucrânia. À primeira vista, isso pode parecer um gesto de boa vontade — um aceno à tradição, à paz e à observância religiosa.

No entanto, por trás desse verniz, há uma tentativa calculada de manipular a narrativa internacional, visando particularmente o presidente dos EUA, Donald Trump, e seu governo.

Este cessar-fogo da Páscoa não é um desvio da estratégia da Rússia, mas uma continuação.

A Rússia já havia anunciado tréguas temporárias em torno do Natal e de outros feriados ortodoxos. Esses gestos, no entanto, nunca foram honrados. Nenhum dos lados observou a trégua de Natal promovida por Putin em torno do feriado ortodoxo de 2023, que as autoridades ucranianas na época rotularam de “armadilha cínica “.

O chamado cessar-fogo em infraestrutura energética promovido pelo presidente dos EUA, Donald Trump, nos últimos meses foi repetidamente quebrado por ataques com mísseis e drones russos. Nas semanas seguintes ao seu início, a Rússia retirou-se do acordo.

Como vimos no passado, cidades ucranianas continuaram sob fogo, mesmo com diplomatas russos declarando paz temporária. O presidente Volodymyr Zelensky acusou Moscou de cometer três mil violações do cessar-fogo somente no último final de semana.

Esse padrão sugere algo mais profundo: a Rússia não está tentando encerrar a guerra, mas reformulá-la em termos políticos, especialmente para o público estrangeiro. Os cessar-fogo estão sendo usados ​​como ferramentas de desinformação, não de diplomacia. Eles não visam ajudar civis ucranianos ou promover a boa vontade humanitária, mas sim retratar a Ucrânia como um ator intransigente que não aceita a paz.

É aqui que o cessar-fogo da Páscoa se encaixa. É uma mensagem. Não para a Ucrânia, mas para Trump e o establishment político americano.

Desde o retorno de Trump à Casa Branca, a mensagem de Putin tem sido mais contundente do que nunca. O presidente russo está oferecendo um cessar-fogo não como uma tentativa sincera de apaziguar a tensão, mas como um gesto estratégico — uma atuação que visa mostrar que a Rússia é o ator “razoável”, disposto a negociar, enquanto a Ucrânia é quem está prolongando o conflito. Isso ocorre poucos dias depois de o Secretário de Estado Marco Rubio anunciar que os EUA se retirariam do processo de paz se não houvesse progresso rápido.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, abril de 2024 (Foto: kremlin.ru)

A implicação é clara: se a Ucrânia continuar lutando durante um cessar-fogo declarado, a Rússia alegará que Kiev — e, por extensão, seus apoiadores ocidentais — é quem está obstruindo a paz. Essa é a clássica desinformação do Kremlin, com o objetivo de semear dúvidas e divisões dentro do governo americano e da opinião pública americana.

Putin não busca a paz. Em vez disso, ele está ganhando tempo no campo de batalha, sinalizando a Washington que está preparado para a paz.

Cada tentativa de cessar-fogo russa teve uma função tática: ganhar tempo, rearmar e consolidar posições. Analistas militares e forças ucranianas sabem que essas pausas não são sinais de distensão — são um respiro operacional, destinado a se preparar para a próxima onda de agressão.

Nas cerca de 24 horas após a declaração da trégua de Páscoa de Putin, os combates continuaram normalmente em grande parte da linha de frente. Embora tenha havido relatos de redução do fogo de artilharia na região de Donbass, houve pouca ou nenhuma mudança na intensidade da guerra nas regiões russas de Kursk e Belgorod, ou nas regiões ucranianas de Kharkiv e Zaporizhzhya. Uma fonte de Kherson escreveu que, na noite do cessar-fogo, vários prédios na cidade estavam em chamas devido a ataques de drones, alegando que nada havia mudado.

Mais importante, porém, além do campo de batalha, o cessar-fogo de Putin visa diretamente o Ocidente. O Kremlin conhece as pressões políticas que o governo Trump enfrenta. Ao se apresentar como aberto a concessões, Moscou oferece cobertura política para aqueles em Washington que desejam se desvincular.

Afinal, aos olhos de Trump, se a Rússia está oferecendo um cessar-fogo e a Ucrânia o recusa ou o viola, por que os EUA deveriam continuar gastando bilhões de dólares em apoio armamentista?

É uma armadilha cuidadosamente planejada — e o tipo de guerra narrativa em que o Kremlin se destaca. Moscou já tem a atenção de Trump, com Steve Witkoff transitando entre Washington e Moscou, compartilhando a visão de Putin de uma paz com Trump que não leva em consideração as preocupações ou a soberania ucraniana. Com esta trégua de Páscoa, Putin efetivamente ganhou tempo por meio de uma boa vontade dissimulada.

Enquanto isso, as autoridades ucranianas há muito compreenderam os perigos de cessar-fogo unilaterais ou falsos. Cada pausa declarada por Moscou foi seguida por uma nova onda de violência, maior destruição e um cinismo ainda mais profundo.

Se a Ucrânia cumprir o cessar-fogo, por exemplo, isso permitirá que a Rússia leve mais poder de fogo à linha de contato sem ter que se preocupar com a ameaça de drones. Para a Ucrânia, aceitar um cessar-fogo declarado pela Rússia não é apenas perigoso, mas frequentemente suicida. No entanto, se a Ucrânia não cessar suas ações defensivas, o país parece se opor à paz aos olhos do governo americano.

O mais preocupante agora, porém, é o risco de Washington cair na armadilha.

A Ucrânia não pode se defender sem apoio internacional contínuo, especialmente dos EUA. A desunião dentro da União Europeia (UE) dificultará a substituição dos EUA em termos de armas e apoio humanitário. Se Trump interpretar erroneamente o gesto de Putin como genuíno, ou permitir que ele justifique a redução da ajuda americana, as consequências serão catastróficas para a Ucrânia.

Este cessar-fogo de Páscoa não visa proteger vidas. Trata-se de prolongar a guerra nos termos russos. Trata-se de dar a Putin o espaço e o argumento de que ele precisa para mudar a narrativa e vencer a batalha política em Washington.

A verdadeira paz na Ucrânia não virá por meio de gestos temporários ou manobras de relações públicas. Virá por meio da derrota da agressão russa, da restauração da soberania ucraniana e da compreensão de que a guerra, quando disfarçada de paz, ainda é guerra.

Trump deveria encarar este cessar-fogo como o que ele realmente é: uma armadilha. Esperemos que ele não caia nela.

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