PlatôBR: Escândalo no INSS põe Carlos Lupi em situação de desconforto no governo

O Palácio do Planalto ainda nem tinha digerido o desprestígio de ver um deputado do aliado União Brasil recusar o Ministério das Comunicações e precisou lidar com mais uma crise — com possibilidade de também repercutir na composição da Esplanada, na relação com outro partido da base, o PDT, e na própria imagem do governo.

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Nesta quarta-feira, 23, a Polícia Federal amanheceu na casa de funcionários públicos em 13 estados e no Distrito Federal, em uma ação conjunta com a CGU (Controladoria Geral da República) para combater fraudes no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Batizada de “Sem Desconto”, a operação mira um esquema que, sem autorização, descontava taxas do contracheque de aposentados.

Segundo os investigadores, entre 2019 e 2024 os descontos somaram R$ 6,3 bilhões. O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi afastado por ordem da Justiça. Horas depois, com o governo sob cobrança pública, acabou demitido por decisão do presidente Lula (PT). Os policiais apreenderam com parte dos investigados carros de luxo e obras de arte.

O escândalo bilionário coloca o ministro da Previdência, Carlos Lupi, a quem o INSS está subordinado, em situação de desconforto. Ainda pela manhã, uma entrevista coletiva foi convocada pela PF. Lá estavam o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e o diretor da corporação, Andrei Rodrigues. Lupi também apareceu, só que assumiu uma postura curiosa: enquanto Lewandowski e Rodrigues trataram de detalhar o esquema, ele se preocupou mais em defender Alessandro Stefanutto. O ministro, há anos “chefão” do PDT, disse ser de sua “inteira responsabilidade” a escolha do subordinado e evocou a presunção de inocência de Stefanutto.

Até o início da tarde, o próprio governo não havia tomado a iniciativa de demitir ninguém. Com isso, passou a sofrer críticas, por exemplo, em programas de televisão, com o argumento de que era necessária uma providência mais contundente diante de um caso que envolve desvio de dinheiro de aposentados – a decisão de afastar o presidente do INSS havia partido, afinal, do Judiciário e não do próprio Executivo.

O Planalto, então, percebeu que precisava se mover e anunciou, mais tarde, que Lula havia determinado a demissão de Alessandro Stefanutto. A decisão foi publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União no início da noite.

O presidente da República, porém, não falou sobre o caso nem sobre a situação do próprio Lupi, que desde a rumorosa entrevista passou a figurar, para o próprio governo, como uma potencial fonte de problemas e de mais desgastes. O ministro não é investigado no caso, mas a Polícia Federal avalia ouvi-lo nos próximos dias, o que acaba sendo, por si, uma pauta negativa.

A possibilidade de demissão de Lupi, que no governo Dilma Rousseff deixou o cargo de ministro do Trabalho em meio a denúncias de irregularidades em convênios com organizações não-governamentais, é também cercada de preocupação. Isso porque a difícil condição do Planalto no Congresso faz com que Lula não possa prescindir de nenhum partido da base. O PDT tem 17 deputados na Câmara.

Caso ‘sensível’

A demora do governo em dar uma resposta se deu pela complexidade da crise. A investigação que resultou na operação deflagrada nesta quarta teve início em 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Lula, mas de lá para cá Lupi não avisou o Planalto sobre sua existência. Ele também não compartilhou informações sobre as auditorias internas que tratavam do assunto e estavam em curso no INSS desde então — na entrevista, ele havia garantido que não tinha conhecimento das suspeitas esquadrinhadas na investigação da PF porque a apuração criminal corria em segredo de Justiça.

O caso é tratado como sensível pelo Planalto, e o único consenso construído internamente até o momento é o de que a narrativa em relação às acusações de corrupção precisa ter como ponto central a ideia de que “este governo investiga”, à diferença dos que o antecederam (os de Michel Temer e de Jair Bolsonaro), durante os quais o esquema de descontos nos vencimentos de aposentados começou a vigorar.

O governo sabe que tem pontos vulneráveis nesse discurso. Um deles está no fato de que o esquema seguiu funcionando de 2023 para cá, com o Ministério da Previdência e o INSS sob a batuta de Lupi e Stefanutto. Há outros pontos delicados. Entre as entidades investigadas está o Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), que tem como dirigente um dos irmãos de Lula – José Ferreira da Silva, o Frei Chico, é diretor vice-presidente da entidade. Também foram alvo da polícia entidades como a Conafer (Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais), ligada a partidos do Centrão, e a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), próxima do PT.

A fraude

Ao explicar o funcionamento do esquema, o ministro-chefe da CGU, Vinicius de Carvalho, disse que entidades de classe, como associações e sindicatos, formalizavam acordos de cooperação técnica com o INSS que permitiam descontos de mensalidades associativas diretamente na folha de pagamento de aposentados e pensionistas sem a autorização dos beneficiários.

O relatório da CGU que embasou a investigação indica que 97% das vítimas das fraudes não autorizaram o desconto. E mais: 70% das 29 entidades beneficiadas pelos descontados não tinham nem sequer enviado a documentação completa ao INSS para a assinatura dos acordos. Ainda de acordo com a Controladoria-Geral, as mensalidades estipuladas pelas entidades associativas chegaram ao valor de R$ 81,57. Estima-se que 6 milhões de aposentados e pensionistas tenham sido lesados.

Efeitos no Congresso

Diante das vulnerabilidades, o governo está apreensivo com a ressonância do assunto no Congresso Nacional. Parlamentares aliados estão preocupados, principalmente, com a possibilidade de criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o assunto neste ano que antecede as eleições gerais. Seria, claro, um palanque privilegiado para a oposição, que tenta colar no governo a pecha de tolerante com a corrupção.

Ainda nesta quarta, o deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO) começou a coletar assinaturas para uma CPI. Na via oposta, a base governista já ressoava a tese defendida pelo Planalto. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) exaltou o fato de que o esquema, que começou a funcionar em 2019, está sendo “desvendado” agora. “Eles saíram da Presidência para que tudo seja apurado em profundidade”, disse Alencar, referindo-se ao governo Bolsonaro.

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