Inquilinos de conjunto habitacional berlinense ficaram dias sem poder tomar banho por risco de contrair doença dos legionários, e denunciam que empresa proprietária demorou para apresentar dados e conter contaminação.Os problemas de moradia na Alemanha vão além da escassez de unidades disponíveis e dos aluguéis exorbitantes. Moradores de um conjunto habitacional de Berlim tiveram de lidar com um surto da bactéria legionela, que ataca o sistema respiratório, sem ter ideia do perigo escondido em seus chuveiros.
Em meados de março, autoridades de saúde do bairro de Neukölln proibiram de tomar banho moradores de 332 apartamentos do conjunto habitacional High-Deck (que tem como traço marcante as passarelas elevadas ligando os blocos, que lhe dão o nome).
A decisão se deveu à detecção, na água dos prédios, de níveis elevados da bactéria que causa a doença dos legionários ou legionelose – uma forma de pneumonia grave. A proibição específica do banho, e não de outros usos da água, é porque a enfermidade é transmitida pela inalação de gotículas de água contaminada (aerossol).
Ainda não está claro por quanto tempo a água esteve contaminada. Pelo menos a inquilina Brianne Curran acredita que contraiu a doença dois meses antes de ser informada de que a água do seu apartamento tinha níveis preocupantes da bactéria.
Ela diz que a empresa estatal de habitação Howoge, proprietária do imóvel, demorou para informar os moradores sobre os perigos a que estavam expostos, mesmo depois do exame da água, em março. Segundo ela, a empresa tardou ainda ao adotar medidas de contenção.
Curran começou a apresentar sintomas semelhantes aos da gripe em janeiro e enfrentou três semanas de tosse, dificuldade respiratória e dor nos pulmões, até que os sintomas diminuíram. Ela só fez o teste para a doença dos legionários no fim de março, que deu “levemente positivo”. Assim, ficou sabendo que sua água havia sido contaminada. Segundo seu médico, havia vários outros casos de suspeita da doença na área.
Perigo na água
Em 11 de abril, duas semanas depois do diagnóstico de Curran, a Howoge a informou que o abastecimento de água em seu apartamento tinha, de longe, a maior concentração de bactérias legionela do prédio: cerca de 32.600 unidades formadoras de colônias (UFC) por 100 mililitros. Valores acima de 100 UFC devem ser relatados às autoridades, para tomada de medidas.
Curran disse que teve de “lutar” para ter acesso a esses resultados. No início, a empresa alegou que as informações individuais não poderiam ser exibidas publicamente, por motivos de proteção de dados, mas uma associação de moradores a orientou a inquilina sobre seu direito à informação.
Foi somente depois de levar o caso à mídia que ela começou a receber respostas rápidas aos seus e-mails para a empresa: “Foi mais rápido levar a notícia para a televisão nacional [de direito público ARD] do que obter uma resposta da Howoge ao meu e-mail.”
A porta-voz da Howoge, Sabine Pentrop, minimizou a extensão do surto: “apenas” sete apartamentos apresentaram níveis não seguros da bactéria, afirmou, em declaração à DW. Porém criticou a autoridade sanitária por impor uma proibição ampla ao banho.
Até 16 de abril, prazo imposto pelas autoridades sanitárias, a empresa adotou medidas para conter o surto, como reaquecer a água do local para esterilizá-la, afirma o conselheiro distrital para assuntos sociais e de saúde Hannes Rehfeldt: “A Howoge sempre mostrou que queria cumprir suas responsabilidades.”
A proibição radical ao banho teria sido necessária porque muitas famílias dependiam do mesmo sistema de água, porém era seguro beber, lavar e cozinhar, enfatizou Rehfeldt.
Que medidas foram tomadas?
A bactéria legionela é transmitida através de aerossóis, mas não por ingestão ou pelo contato interpessoal. A Howoge aconselhou os residentes do High-Deck a não tomarem banho e evitarem respirar o vapor da água aquecida e das máquinas de lavar louça. De acordo com Curran, a restrição ao banho, primeiro momento por tempo indeterminado, foi reduzida, mas só depois da atenção gerada pela mídia, o que forçou a empresa a tomar providências para conter o surto.
As medidas incluíram a substituição das instalações hidráulicas dos apartamentos em que a concentração de legionela estava acima de 100 UFCs, e a oferta aos residentes de chuveiros que filtram a bactéria. A Howoge também ofereceu uma redução no aluguel durante o período entre a imposição da proibição do chuveiro e a instalação dos filtros.
Em 8 de abril, a consultoria ambiental GUC foi contratada para investigar a causa do surto e, de acordo com a Howoge, está produzindo um “catálogo das medidas exatas para eliminar permanentemente a contaminação por legionela”. A GUC suspeita que o surto pode ter sido causado por conexões especiais no encanamento, projetadas para evitar o refluxo de líquidos no sistema. Esses dispositivos estariam agora sendo removidos, informou a Howoge.
“Eles usam sistemas ultrapassados e protocolos concebidos de forma lamentável”, critica Curran.
Problemas prosaicos nas moradias populares
A Howoge é uma das maiores proprietárias de imóveis na Alemanha, com mais de 81 mil apartamentos em Berlim. Ela busca atualmente expandir seu catálogo para mais de 100 mil unidades, o que preocupa Curran. Segundo ela, os 1.200 funcionários da empresa não têm capacidade de lidar com os problemas que estão surgindo agora.
A contaminação na água do High-Deck aponta para questões mais amplas de moradias populares nas grandes cidades. Só em 2024, houve surto de legionela em Nova York, Londres, Sydney, Melbourne, Milão, Foshan, na China, e Rzeszow, na Polônia, resultando em várias mortes.
Embora os aluguéis continuem a subir em Berlim, os muitos inquilinos reclamam que os edifícios mais antigos nem sempre são mantidos de segundo os padrões modernos, e muitos estão frustrados com a falta de comunicação e ação dos proprietários quando há necessidade de consertos.
Há possíveis soluções de longo prazo: algumas cidades europeias estão introduzindo formas inovadoras de criar moradias modernas a preços acessíveis, como casas de estudantes feitas de contêineres reciclados. E algumas cidades usam tecnologias como aplicativos de monitoramento e sistemas inteligentes de água, projetados para evitar a contaminação bacteriana.
“A crise da legionela do High-Deck evidencia os problemas de moradia que as cidades enfrentam em todo o mundo”, afirma Curran. “Talvez uma forma de a Howoge demonstrar que lamenta o ocorrido seria abrir as portas para desenvolvedores e arquitetos de projetos habitacionais bem‑sucedidos, acessíveis e sustentáveis, e repensar por completo seus atuais planos de ‘soluções habitacionais’ para o futuro de Berlim, que até agora, claramente, vêm fracassando.”