Sob pressão de Trump, México veta músicas exaltando tráfico

Composições que falam de drogas e ostentação, e glorificam criminosos viraram grande sucesso, mas estão banidas de eventos em cidades mexicanas, interessadas em mostrar aos EUA que combatem o narcotráfico.Com o cerco de Donald Trump aos cartéis de drogas latino-americanos, autoridades do México vêm tentando expurgar a cena cultural do país de músicas e outras formas de expressão que glorifiquem o narcotráfico ou a figura do traficante.

De acordo com reportagem do The New York Times, desde fevereiro pelo menos sete cidades ou estados mexicanos baniram ou limitaram apresentações de artistas de uma vertente cada vez mais popular: o narcocorrido, subgênero musical que fala de questões ligadas ao tráfico e retrata traficantes como figuras admiráveis.

Com uma temporada de festas populares à vista, a Secretaria de Segurança do estado do México, por exemplo, alertou os municípios de Texcoco, Tejupilco e Metepec que os envolvidos em shows musicais com apologia ao crime poderão ser punidos com até seis meses de prisão.

Um dos expoentes do narcocorrido, Luis R. Conriquez, até avisou aos fãs que iria, a partir de então, pegar mais leve no repertório. “Tem muita gente que não entende. Eles acham que somos nós que estamos estabelecendo as regras, mas a verdade é que não haverá mais corridos nos eventos de agora em diante, para nenhum artista”, disse em vídeo postado nas redes sociais em 11 de abril.

Horas depois, durante apresentação na Feira do Cavalo – evento agropecuário na cidade de Texcoco, no estado do México – o cantor teve que fugir do palco se esquivando de latas de cerveja, socos e chutes da plateia, em fúria por ele não ter cantado nenhum narcocorrido.

A discussão é semelhante à que ocorre no Brasil, com a chamada lei anti-Oruam, aplicada em dezenas de cidades para proibir a contratação com verba pública de artistas que fazem apologia ao crime organizado e ao consumo de drogas.

O rapper Oruam, que dá nome ao projeto, é filho de Marcinho VP, líder do Comando Vermelho, preso há mais de 20 anos por homicídio e tráfico de drogas. Com letras quase sempre machistas que falam de vivências pessoais, festas, drogas, dinheiro fácil e ostentação, ele é um dos músicos mais ouvidos nas plataformas de streaming de música no Brasil e tem defendido a liberdade de seu pai durante shows.

O projeto de lei foi encabeçado por grupos de direita, como o Movimento Brasil Livre (MBL), e encontrou resistência de quem a vê como uma censura a estilos ligados às periferias, como funk, hip-hop e rap.

No México, a pressão sobre os políticos para conter a popularização da narcocultura cresceu após os Estados Unidos declararem “guerra” a grupos narcotraficantes, que estão inclusive por trás de artistas e festas populares mexicanos.

Sanções americanas

Luis R. Conriquez é suspeito de ter vínculo com o cartel de Sinaloa, uma das oito organizações narcotraficantes classificadas recentemente pelo governo americano como “terroristas globais”, por ameaçarem a “segurança nacional”.

O tráfico de drogas e a crise de saúde pública causada sobretudo pelo fentanil – opioide sintético muito mais potente e barato que morfina e heroína – foram usados como justificativa por Trump também para impor tarifas e sanções contra o México e o Canadá, os quais acusa de não terem feito o suficiente para conter o problema.

O caldo entornou para os músicos de narcocorrido após uma apresentação do grupo Los Alegres del Barranco, num auditório da Universidade de Guadalajara, no fim de março. Durante o show, eles dedicaram um corrido a Nemesio Oseguera Cervantes, conhecido como “El Mencho”, líder do Cartel de Jalisco Nova Geração (CJNG), atualmente o maior do México. Ele nunca foi preso e é um dos homens mais procurados pelos Estados Unidos.

Depois da demonstração pública de apreço ao chefão do tráfico, o Departamento de Estado americano revogou os vistos de trabalho e de turismo dos integrantes da banda. “No governo Trump, levamos a sério nossa responsabilidade sobre o acesso de estrangeiros ao nosso país. A última coisa de que precisamos é um tapete de boas-vindas para quem exalta criminosos e terroristas”, afirmou Christopher Landau, vice-secretário de Estado dos EUA, em 1º de abril. “Acredito firmemente na liberdade de expressão, mas isso não significa que essa expressão deva estar livre de consequências.”

Jesús Eulogio Sosa, da banda Los Buitres de Culiacán Sinaloa, que tem vários narcocorridos de sucesso, disse ao New York Times que sabia de outros músicos que tiveram seus vistos para os EUA negados desde então.

O governo do estado de Jalisco, berço do cartel CJNG, é um dos que apresentou projeto de lei para coibir apologia ao crime. O texto dá “poderes aos municípios para regulamentar e, se necessário, proibir e sancionar grupos musicais que se envolvam em qualquer tipo de glorificação da violência”.

De acordo com investigação do jornal mexicano Milenio, a CJNG controla os lucros da venda de cerveja em festas como touradas e celebrações de santos padroeiros na maioria dos municípios de Jalisco. Os vendedores de cerveja são até obrigados a usar aventais com o rosto impresso de “El Mencho”, que costuma premiar toureiros com dinheiro durante os eventos.

Crônica social ou apologia do crime?

O corrido mexicano é um estilo de música tradicional que narra em tom épico acontecimentos políticos, injustiças sociais, amores trágicos e também atos de delinquência. Sua disseminação ocorreu durante a Revolução Mexicana (1910 a 1920), quando era usado para informar o povo sobre feitos e celebrar personagens políticos, como Emiliano Zapata e Pancho Villa.

Quando o narcotráfico se estruturou e a violência disparou no México, entre as décadas de 80 e 90, corridos que falavam de crime e ostentação se tornaram populares nos Estados Unidos, levados por imigrantes mexicanos. Desde então, o som de acordeão, trompete e guitarra tem acompanhado versos sobre carros caros, crimes, drogas e mulheres sempre disponíveis e objetificadas.

O narcocorrido é especialmente popular em regiões do México fortemente afetadas pelo narcotráfico, como Sinaloa. Enquanto alguns o veem como um reflexo da realidade social, outros criticam o estilo por fazer apologia ao crime.

“O narcocorrido não é uma invenção recente. Já havia canções sobre contrabando de álcool na década de 1920. E na década de 1990, houve uma grande explosão do gênero com a figura de Chalino Sánchez”, explica Elijah Wald, musicólogo e autor do livro Narcocorrido: A journey into the music of drugs, guns and guerrillas.

“O culto ao narcotráfico se tornou uma narrativa de aspiração para setores marginalizados. Ele representa poder, respeito e dinheiro. E isso vende. Em músicas, em camisetas, em séries”, diz Wald.

Javier Oliva Posada, professor da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), acredita que o fenômeno do narcocorrido é perigoso e exige uma resposta firme do Estado: “É muito problemático. Quando um cantor como Peso Pluma enche um estádio com letras que fazem apologia ao crime e ao machismo, não podemos dizer que é apenas música. É parte do crime organizado.”

Oliva alerta para o risco de uma geração que “não faz mais distinção entre o herói trágico e o criminoso impune”: “Se não agirmos agora, essas expressões continuarão a ocupar espaços que deveriam ser de valores democráticos e comunitários.”

Em meio à polêmica, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, lançou em abril o concurso musical México Canta, com o objetivo de promover músicas com “valores positivos” e combater a apologia ao crime na cultura popular.

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