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As autoridades vivem uma realidade na qual os familiares não vivem. A lei é bonita no papel. A partir do momento que ela vai ser transferida para a prática, ela totalmente. Então é onde a gente perde a dignidade de ser um visitante. Onde o filho perde a dignidade de ser um filho, de passar o dia inteiro com o pai.
Esta é Antônia, nome fictício que vamos usar nessa reportagem para identificar a esposa de um detento da Penitenciária Coronel Odenir Guimarães, em Aparecida de Goiânia, Goiás.
Ela e o filho, menor de idade, têm direito a uma visita mensal, com duração de meia hora, ao homem que está preso há cerca de 10 anos.
À criança, não é reservado espaço diferenciado e tempo adicional de 15 minutos, como previsto em portaria publicada em 2022 pela administração da penitenciária.
O dia de entrega de itens de higiene pessoal e alimentos não é o mesmo da visita. Mesmo com dificuldades econômicas, muitos familiares são responsáveis por enviar esses kits para as pessoas presas, prática admitida em mais de 80% dos estabelecimentos penais do Brasil.
O depoimento de Antônia foi escolhido para exemplificar a realidade do sistema prisional brasileiro nas diferentes unidades da federação, a partir de um levantamento recém-divulgado pela plataforma Observatório Nacional dos Direitos Humanos, disponibilizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Segundo o estudo, em 2023, o Brasil tinha a terceira maior população carcerária do mundo, com 850 mil pessoas privadas de liberdade, tanto em celas físicas quanto em prisão domiciliar. O número é 3,5 vezes maior que o registrado em 2002.
Para André Garcia, Secretário Nacional de Políticas Penais, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, esse aumento se justifica, entre outros fatores, pelo trabalho ostensivo realizado pelas polícias.
O aumento da população carcerária, nesse período de 21 anos, há várias explicações considerando as desigualdades regionais. Mas especificamente pode se considerar o aumento do número de prisões, o surgimento de novos programas de segurança que aumentaram muito a capacidade e eficácia da atuação das polícias. Preciso considerar também que em especial com o surgimento das audiências de custódia esses números têm estabilizado.
Além da superpopulação carcerária, as prisões brasileiras enfrentam graves problemas que foram reconhecidos em 2023, pelo Supremo Tribunal Federal, como um quadro de violação massiva de direitos fundamentais.
Pedro Lemos, coordenador-geral de Indicadores e Evidências em Direitos Humanos, detalha esse cenário.
Uma grande parte das unidades prisionais apresenta condições ruins. Isso está relacionado a estrutura, está relacionado a superlotação, a qualidade dos espaços onde as pessoas presas ficam, colchões, chuveiros, acesso ao banheiro, acesso à saúde, acesso, à educação, comida inadequada.
Antônia relata uma série de problemas na garantia de direitos dos detentos na penitenciária Coronel Odenir Guimarães, como o racionamento diário de água para higiene na cela.
Ele reclama muito da falta de água. A água, eles não deixam ligada o dia inteiro. Tem a horas certas. Vou te dar um exemplo: das 17 horas às 18h, aí nesse horário você tem que lavar suas roupas, tomar seu banho, e limpar sua cela. E não é só ele, tem mais sete presos.
Em nota, a Polícia Penal de Goiás negou que haja restrição no fornecimento de água na penitenciária. Sobre a duração das visitas, afirmou que cumpre portaria que prevê até 30 minutos para familiares maiores de 18 anos e até 45 minutos, em espaços lúdicos, para criança e adolescentes.
Relatório divulgado em abril de 2024 pelo CNJ, Conselho Nacional de Justiça, aponta que 13 de 19 presídios inspecionados em Goiás têm superlotação, inclusive a penitenciária onde o esposo de Antônia cumpre pena, que tem capacidade para 906 detentos, mas abriga 1.840.
No fim do ano passado, onze organizações da sociedade civil assinaram um documento endereçado às Nações Unidas para denunciar a negligência do poder público brasileiro na garantia do fornecimento de água e alimentação adequada para a população carcerária.
Durante a pandemia, levantamento realizado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa mostrou que apenas seis estados informaram que o abastecimento de água potável ocorria em tempo integral em suas unidades prisionais: Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo.
O Brasil possui 1.534 estabelecimentos prisionais. Dados do CNJ indicam que 23% das prisões brasileiras são avaliadas como péssimas, 8% ruins e 43% regulares.
*Com produção de Salete Sobreira e sonoplastia de Jailton Sodré.

Direitos Humanos Brasil possui terceira maior população carcerária do mundo Brasília 28/04/2025 – 10:15 Roberto Piza / Liliane Farias Daniella Longuinho – repórter da Rádio Nacional* prisões CNJ presídio Penitenciária Coronel Odenir Guimarães segunda-feira, 28 Abril, 2025 – 10:15 5:53