Incidente durante festival de rua em Vancouver, Canadá, deixou ao menos nove mortos e voltou a chamar a atenção para o uso de veículos como arma. É possível identificar um padrão e evitar novos casos?A polícia de Vancouver, na costa oeste canadense, investiga os motivos que levaram um homem, detido no local, a dirigir um SUV contra uma multidão que participava do festival filipino Lapu Lapu no sábado (26/4), matando ao menos nove pessoas. A hipótese de terrorismo é tida como pouco provável, mas o padrão do incidente suscita uma questão – como identificar causas e evitar atropelamentos em massa?
Em 3 de março de 2025, segunda-feira de Carnaval, um homem deixou 2 mortos e 11 feridos ao investir contra uma multidão no centro de Mannheim, no sudoeste da Alemanha. Nas semanas anteriores, as autoridades haviam advertido reiteradamente sobre a possibilidade de atentados terroristas.
No entanto o ataque não pareceu motivado por fatores políticos nem religiosos: o autor é alemão nato, sem histórico de tendências extremistas, e as autoridades partem do princípio de que o ato foi motivado por transtornos mentais.
Em contrapartida, o suspeito do atentado que ocorreu em Munique em 13 de fevereiro, com um saldo de 2 mortes e pelo menos 37 feridos, é um afegão com possíveis tendências pró-islamistas. O mesmo se aplica ao presumível autor saudita da investida contra uma feira de Natal de Magdeburg, no estado da Saxônia-Anhalt, em 20 de dezembro de 2024, com um saldo de 6 mortos e cerca de 300 feridos.
Na década de 2010, houve em Israel uma série de atentados motorizados, no contexto dos conflitos com grupos militantes locais. O grupo extremista Estado Islâmico (EI) também incentivou o uso de veículos como arma em espaços públicos na Europa.
Entre os palcos dos crimes mais devastadores do tipo, estiveram a cidade francesa de Nice – em que um caminhão fez 86 vítimas em 2016 –, Londres, Barcelona e Berlim. Carros foram usados também como arma numa série de ataques mortais na China, em 2023 e 2024.
Raiva, sugestão, imitação
Em estudo publicado em 2018, o sociólogo cultural Vincent Miller e o criminologista Keith Hayward classificaram os atropelamentos em massa como eventos “imitatórios”: mais do que ideologicamente motivados, eles funcionariam como “memes”, oferecendo um modelo a ser replicado.
Referindo-se a atentados na China – que foram descritos como “vinganças contra a sociedade” e cujos perpetradores foram punidos com a pena de morte – Miller comenta: “Quem faz isso está, em geral, bastante ressentido, há um sentimento de injustiça, de raiva.” Assim, é comum que não se encontrem indícios definitivos de uma motivação política ou religiosa.
“Muitas vezes são formas de ataque muito no calor do momento, ou organizadas às pressas. Os autores são muito diversos: alguns talvez sejam radicais muçulmanos, outros ativistas de direita americanos, outros ainda sofrem de doenças mentais. É muito difícil definir o perfil do criminoso: a principal coisa que eles têm em comum é o ato.”
“Subconscientemente, [esse tipo de atentado] se torna parte do repertório de opções para alguém expressar a raiva, e os perpetradores são expostos a ele através dos vetores da imprensa e das redes sociais.”
Há como evitar novos atentados com automóveis?
A especialista em segurança internacional Pauline Paillé, da organização independente de pesquisa RAND Europe, concorda com Vincent Miller: “É um pouco difícil entender quais são as motivações, e se há um padrão de fato, ou se só se trata de uma coleção de eventos isolados.”
Em 2022, ela participou da elaboração de um relatório para a Comissão Europeia sobre alternativas para evitar os atentados com automóveis. “Eu não acho que seja uma ameaça exclusiva para a Europa, e no tocante à psicologia, depende muito das motivações e do objetivo político dos que atacam.”
O relatório da RAND Europe explorou formas de restringir o acesso a automóveis, sobretudo por meio de esquemas de aluguel ou pessoa para pessoa. Esse esquema foi utilizado, por exemplo, na explosão de um Tesla Cybertruck diante do Trump International Hotel de Las Vegas, em 1º de janeiro de 2025, que deixou sete feridos (o criminoso se suicidou), e, no dia seguinte, na investida contra uma multidão em Nova Orleans (14 mortos, dezenas de feridos).
Uma das medidas recomendadas foi endurecer as exigências para o acesso a veículos de aluguel, seja através de uma identificação mais rigorosa, depósito de cauções altas ou checagens de antecedentes criminais.
O geofencing – em que se criam barreiras virtuais possibilitando às autoridades alterarem remotamente as configurações de veículos inteligentes – seria outra possibilidade para evitar a perda de vidas. Para que tais tecnologias funcionem, contudo, seria preciso identificar rapidamente a intenção criminosa.
Na opinião de Paillé, áreas urbanas mais bem projetadas seriam uma das soluções mais simples, com carros e de pedestres separadas, por exemplo, “coisas que tornem mais difícil um veículo acessar certos espaços”, assegurando que permaneçam usáveis pelos cidadãos comuns, “mas também preservando a segurança deles”.
Por outro lado, a especialista em segurança não está convencida da efetividade de barreiras físicas, como quebra-molas, minipostes ou blocos de concreto, pois elas podem simplesmente desviar os perpetradores para outras áreas menos protegidas.