A pressão para que a Ucrânia reconheça a anexação da Crimeia pela Rússia pode desencadear consequências profundas para a ordem internacional estabelecida desde a Segunda Guerra Mundial, segundo especialistas em direito e relações internacionais citados pelo jornal The Moscow Times. A discussão ganhou força após o Kremlin afirmar nesta semana que considerar a península parte do país é “imperativo” para a resolução do conflito.
O tema ganhou ainda mais destaque depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, sugeriu no domingo (27) que o homólogo Volodymyr Zelensky poderia aceitar a perda da Crimeia como parte de um acordo de paz, proposta que o líder ucraniano rejeitou reiteradamente. Para estudiosos, ceder a península significaria romper uma regra essencial do pós-guerra: a proibição da mudança de fronteiras pela força.
“O recado que isso envia é o de que pode valer a pena, pelo menos para as grandes potências, violar essa proibição do uso da força”, alertou Lauri Malksoo, professor de direito internacional da Universidade de Tartu, na Estônia.

O contexto histórico reforça a gravidade do risco. “Não houve nenhum caso de um país expandir seu território militarmente à custa de outro nos últimos 80 anos”, lembrou Phillips O’Brien, professor de estudos estratégicos da Universidade de St. Andrews. A Crimeia foi tomada pela Rússia em 2014, e Moscou ainda reivindica outras quatro regiões ucranianas, embora não tenha pleno controle sobre elas.
Especialistas apontam que obrigar a Ucrânia a reconhecer a soberania russa sobre a Crimeia seria “um retorno ao direito da conquista”, nas palavras de Elie Tenenbaum, do Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI). Para Michel Erpelding, do Instituto Max Planck, na Alemanha, o precedente seria perigoso: poderia gerar “consequências extremamente desestabilizadoras, até mesmo catastróficas para a paz mundial”.
O debate também envolve a validade jurídica de um possível acordo. “Em princípio, pelo menos, tratados produzidos através de coerção são nulos”, explicou Malksoo, alertando que a Ucrânia poderia contestar qualquer assinatura feita sob pressão. Segundo Erpelding, “a Ucrânia poderia usar esse argumento para contestar a validade de qualquer acordo que possa ter sido pressionada a assinar”.
A Casa Branca ainda não detalhou seu plano de paz, mas já indicou que poderia congelar as linhas de frente do conflito, entregando à Rússia as áreas ocupadas desde a invasão iniciada em fevereiro de 2022. Para O’Brien, permitir a cessão da Crimeia abriria caminho para novas ofensivas: “É a ponta do iceberg no plano russo para acabar com a Ucrânia”, afirmou.
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