
O que é uma fístula anal?
A fístula anal é uma doença que pode parecer simples à primeira vista, mas costuma causar bastante desconforto e impacto na vida de quem sofre com ela. Trata-se de um canal anormal que se forma entre a parte interna do ânus e a pele ao redor. Esse canal se desenvolve, na maioria das vezes, depois que uma infecção na região anal — geralmente um abscesso — se rompe ou é drenada, mas não cicatriza por completo. A ferida interna permanece aberta, e o organismo forma esse trajeto como uma espécie de “válvula de escape” para eliminar o pus.
Esse problema afeta tanto homens quanto mulheres, mas é mais comum em adultos entre 30 e 50 anos. Embora muitas pessoas convivam com a fístula por meses ou até anos, sem tratamento adequado ela dificilmente se resolve sozinha. E é justamente por isso que se torna crônica.

Quais são as causas da fístula anal?
A causa mais frequente da fístula anal é a infecção de pequenas glândulas localizadas dentro do canal anal. Quando essas glândulas entopem, ocorre a formação de um abscesso, que é uma coleção de pus. Se esse abscesso rompe ou é drenado, mas a infecção interna persiste, o trajeto que se forma entre o interior e o exterior do ânus se torna uma fístula.
Além das infecções comuns, algumas doenças específicas também podem levar ao surgimento da fístula. A mais conhecida delas é a Doença de Crohn, que causa inflamação crônica no intestino e nas áreas próximas ao ânus. Outras causas menos frequentes incluem a tuberculose anal, certos tipos de câncer e doenças dermatológicas como a hidradenite supurativa.
Por que ela se torna crônica?
Mas por que esse canal, uma vez formado, se torna tão difícil de cicatrizar? Isso acontece porque a infecção continua ativa dentro do trajeto, dificultando o fechamento natural. Além disso, a parede da fístula, com o tempo, pode se revestir com um tecido que impede a cicatrização. Em alguns casos, esse canal ainda se ramifica, criando trajetos secundários, o que complica ainda mais a situação.
Quais são os sintomas?
Os sintomas da fístula anal são bem característicos. O principal é a presença de secreção — um líquido amarelado ou com sangue — que sai constantemente por uma abertura próxima ao ânus. Essa drenagem pode causar coceira, irritação na pele e mau cheiro. Também é comum sentir dor, principalmente ao evacuar ou ao sentar-se. Em alguns casos, quando ainda há infecção ativa, a pessoa pode ter febre e sensação de mal-estar.
Nos casos em que o orifício externo se entope, pode haver a formação de um abscesso subcutâneo ao redor do ânus, condição que apresenta risco de se transformar em um quadro muito mais grave, conhecido como Síndrome de Fournier.
Como é feito o diagnóstico?
Para chegar ao diagnóstico, o médico geralmente começa com um exame clínico. Avaliar a região, identificar o orifício externo da fístula e entender os sintomas do paciente já oferecem muitas pistas. Em fístulas mais simples, isso pode ser suficiente. Mas nos casos mais complexos, com suspeita de múltiplos trajetos ou envolvimento de músculos do ânus, pode ser necessário realizar exames de imagem, como a ressonância magnética da pelve ou a ultrassonografia endoanal.
Em algumas situações, é preciso examinar a região com o paciente anestesiado para mapear com precisão o trajeto da fístula antes de decidir o melhor tratamento.
Como a fístula afeta a vida do paciente?
O impacto da fístula anal na rotina é grande. A secreção constante gera desconforto físico e emocional. Muitos pacientes relatam vergonha, evitam atividades sociais e até faltam ao trabalho por não conseguirem controlar o incômodo. O uso contínuo de absorventes, a troca frequente de roupas e o medo de odores aumentam ainda mais esse sofrimento.
É comum também que o sono seja prejudicado, já que a dor pode piorar à noite. Com o tempo, não é raro que o paciente desenvolva ansiedade ou até depressão em função da cronicidade da doença.
Quais são as opções de tratamento?
O tratamento da fístula anal é, na maioria das vezes, cirúrgico. A técnica escolhida depende do tipo da fístula, da sua localização e de quanto ela compromete os músculos responsáveis pela continência fecal.
Em casos mais simples, é possível abrir o trajeto com segurança, permitindo que ele cicatrize de dentro para fora. Já em fístulas mais profundas ou que atravessam músculos importantes, o tratamento pode ser mais delicado. Nessas situações, o cirurgião pode optar por colocar um fio chamado seton, que mantém a fístula aberta e drenando até que a inflamação diminua.
Outra alternativa é a técnica chamada LIFT, que fecha o trajeto por dentro, sem cortar o músculo. Existem ainda métodos com cola de fibrina ou com o uso de plugues biológicos, mas os resultados podem variar. Em pacientes com Doença de Crohn, o uso de células-tronco tem mostrado bons resultados em estudos recentes, embora ainda não esteja amplamente disponível.
É possível prevenir?
A prevenção da fístula anal passa pelo tratamento adequado e rápido dos abscessos anais, além do controle das doenças de base, como a Doença de Crohn. Manter uma boa higiene, evitar traumas na região anal e procurar ajuda médica diante de qualquer infecção local também são atitudes importantes.
Considerações finais
A fístula anal não é apenas um incômodo local. É uma condição médica que exige atenção especializada e abordagem personalizada. Quando tratada corretamente, as chances de cura são boas e a qualidade de vida do paciente melhora consideravelmente.
*Por Antonio Couceiro Lopes (CRM 100656 SP | RQE 26013)
Cirurgião do Aparelho Digestivo
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