Como a ditadura nazista usava o esporte para seus objetivos

"HitlerRegime comandado por Hitler via exercícios físicos como forma de aumentar a produtividade e o espírito de luta. Valores olímpicos eram estranhos à sua ideologia, mas governo usou Jogos de Berlim em 1936 como propaganda.Neste mês de maio comemoram-se 80 anos do final da Segunda Guerra Mundial, data que vem sendo lembrada com retrospectivas históricas sobre a ditadura nazista que governava a Alemanha e buscava controlar esferas variadas da vida dos seus cidadãos, inclusive o esporte.

Os nazistas em geral usavam outro termo para se referir ao esporte: “educação física”. O objetivo principal era promover a saúde e a eficiência – para uma economia produtiva e estar apto para a guerra. Os esportes individuais ficavam em segundo plano.

Tratava-se do coletivo, da massa, do chamado volkskörper (“corpo nacional”), para o qual cada alemão, como indivíduo, deveria contribuir da melhor maneira possível. Fiel à ideologia nazista, o que sempre importava era a força e a capacidade de se defender.

“Os fracos devem ser massacrados”, diz uma citação atribuída a Adolf Hitler. “Nos meus campos de treinamento, crescerá uma juventude que assustará o mundo. Quero uma juventude violenta, dominadora, destemida e cruel. (…) Eu os treinarei em todos os exercícios físicos.”

Esses exercícios físicos eram obrigatórios em muitas organizações coletivas nazistas, como a Juventude Alemã (DJ) e a Juventude Hitlerista (HJ), entre outras. Também era recomendado se tornar membro de um clube esportivo.

Na Juventude Hitlerista, mas também no esporte escolar, os exercícios físicos serviam, especialmente entre os garotos, para formar um comportamento militar e de soldado e selecionar os jovens que mais tarde poderiam ser considerados para posições de liderança na Wehrmacht, as Forças Armadas da Alemanha nazista.

Mas os nazistas tinham uma visão crítica de competições esportivas internacionais, especialmente em sua fase inicial. “Isso representava a internacionalidade, o movimento olímpico, a união, a compreensão internacional”, diz o historiador Ansgar Molzberger, da Universidade Alemã de Esportes de Colônia, à DW. “Isso foi rejeitado por motivos ideológicos”.

Por que os nazistas ainda sediaram os Jogos Olímpicos em 1936?

Os Jogos Olímpicos foram concedidos a Berlim pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em 1931, ainda durante a República de Weimar. Os nazistas na época eram claros oponentes do movimento olímpico, o que eles admitiam abertamente.

A ideia cosmopolita dos Jogos Olímpicos era incompatível com sua visão de mundo. Competições atléticas com membros das “nações inimigas” da Primeira Guerra Mundial iam contra seu senso de honra. E eles rejeitavam, por racismo, os regulamentos do COI segundo os quais judeus e negros eram iguais a outras raças.

No entanto, os que estavam no poder rapidamente reconheceram – especialmente Hitler – a oportunidade que os Jogos ofereciam para se apresentarem ao mundo como um Estado jovem, aberto e amante da paz. “Eles fizeram uma reviravolta de tirar o fôlego”, diz o historiador Molzberger. “Assim como rejeitaram estritamente até o final da era de Weimar o movimento olímpico, com seus ideais de entendimento entre os povos e internacionalidade, eles agora se apresentavam como os grandes apoiadores do movimento olímpico.”

Além disso, eles queriam usar os Jogos para demonstrar seus pontos fortes, boa organização e sucesso esportivo.

Havia algum esporte particularmente promovido pelos nazistas?

“Um esporte que pode ser explicitamente destacado no contexto escolar foi o boxe, que os nazistas tornaram obrigatório para meninos mais velhos”, diz Molzberger. “Todos tinham que aprender boxe nos esportes escolares.”

Esportes coletivos, como futebol e handebol, continuaram existindo, mas a ênfase sempre foi no aspecto combativo. “O que importava era a capacidade de se defender, de ousar fazer algo em conjunto”, disse Molzberger. “Isso devia ser enfatizado repetidamente também por meio de esportes coletivos.”

Como era o esporte para mulheres e meninas?

As atividades esportivas para mulheres também eram fortemente influenciadas pela ideologia. As mulheres eram limitadas principalmente ao papel de mães e donas de casa. Para cumprir bem essas funções, elas também deviam treinar seus corpos, melhorar sua saúde e condicionamento físico e fortalecer sua disciplina.

A Liga das Meninas Alemãs (BDM), organizada para meninas de 10 a 18 anos, também oferecia exercícios físicos que tinham como objetivo treinar as meninas não apenas fisicamente, mas também ideologicamente, e prepará-las para seu futuro papel na sociedade.

Judeus podiam praticar esportes?

Pouco depois da tomada do poder pelos nazistas, foi aprovada uma lei em 7 de abril de 1933 segundo a qual os funcionários públicos deveriam ser de ascendência ariana; caso contrário, não poderiam mais trabalhar no serviço público.

O chamado “parágrafo ariano” foi gradualmente expandido para excluir os judeus da vida profissional e social, afetando médicos, estudantes, os serviços de rádio, a imprensa, os teatros e outras instituições e associações culturais.

O parágrafo também se aplicava a clubes esportivos, mas a liderança do Reich inicialmente não exigiu consistentemente sua implementação tendo em vista os Jogos Olímpico de 1936 – eles não queriam manchetes negativas e dar razões para um possível cancelamento dos Jogos ou boicotes. Mas houve críticas e pedidos de boicote mesmo assim, que se intensificaram após as Leis Raciais de Nurembergue serem aprovadas em 1935, que mais tarde formaram a base legal para a perseguição e o extermínio dos judeus.

No entanto, muitos clubes e associações esportivas nos quais a liderança era particularmente fiel ao regime nazista implementaram o parágrafo ariano desde o início, por conta própria e em obediência antecipada. Por exemplo, a Associação Alemã de Ginástica, na época a maior associação esportiva alemã, com 1,5 milhão de membros, excluiu os judeus apenas um dia após a aprovação da lei.

Outras associações, como de natação, remo e esqui, seguiram o exemplo. A Federação Alemã de Futebol (DFB) reagiu de forma menos radical e permitiu que os judeus continuassem jogando. No entanto, eles não tinham mais permissão para ocupar cargos de liderança em clubes de futebol. Um exemplo proeminente é Kurt Landauer, que foi presidente do Bayern de Munique por muitos anos durante o período de Weimar e teve que deixar seu cargo em 1933.

Como resultado das exclusões, os clubes esportivos judaicos cresceram muito entre 1933 e 1936, com novos associados. Entretanto, quando os Jogos Olímpicos de 1936 terminaram, a situação dos judeus na Alemanha piorou.

“Depois dos Jogos, já era possível tirar a máscara”, diz o historiador Ansgar Molzberger. “Com o início da perseguição aos judeus propriamente dita a partir de 1938, o esporte judaico também foi consistentemente destruído.”

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