Pela primeira vez na história alemã do pós-guerra, um candidato a chanceler federal não consegue o número mínimo de votos no primeiro turno da votação no Parlamento. Resultado expõe racha na nova coalizão de governo.O líder conservador da União Democrata Cristã (CDU), Friedrich Merz, não conseguiu o número de votos necessário para ser eleito o próximo chanceler federal da Alemanha no primeiro turno da votação realizada no Parlamento alemão (Bundestag) nesta terça-feira (06/05). O político recebeu 310 votos favoráveis, seis a menos do necessário exigido para alcançar a maioria absoluta.
Esta é a primeira vez na história alemã do pós-guerra que um candidato a chanceler federal não é eleito na primeira rodada de votação no Bundestag. A eleição parlamentar é vista como uma formalidade, pois costuma acontecer somente após o candidato acordar uma coalizão com outros partidos que lhe garantam a maioria absoluta.
Com 630 assentos no parlamento, Merz precisava de 316 votos para assumir a chefia do governo. Contudo, apenas 310 legisladores votaram a favor, 307 foram contra, três se abstiveram e um teve o voto considerado inválido. Nove votos não foram computados por ausência.
O resultado expõe um racha dentro da recém-criada coalizão “preto-vermelho” negociada entre a CDU, seu braço bávaro, a União Social Cristã (CSU) e o Partido Social Democrata (SPD), do chanceler federal que deixa o cargo, Olaf Scholz. Juntas, as siglas têm 328 assentos no Bundestag, 12 a mais do que o necessário para levar Merz ao poder.
Isso significa que membros do próprio bloco que não endossaram Merz. O colapso de uma coalizão é justamente o indicativo de que o governo não possui apoio parlamentar. Foi o que motivou Scholz a convocar as eleições antecipadas em fevereiro que deram vitória à CDU, por exemplo.
O que acontece agora?
De acordo com a constituição federal da Alemanha, os legisladores agora têm 14 dias para eleger um chanceler com maioria absoluta. Nessa segunda fase do processo, podem ocorrer várias rodadas de votação na tentativa de atingir o número necessário de votos.
Se nenhum candidato alcançar a maioria absoluta neste prazo, inicia-se a terceira fase do processo. Nela, quem obtiver a maioria dos votos é eleito, o que significa a formação de um governo de minoria. Nesse caso, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier teria então as opções de nomear formalmente o vitorioso como chanceler federal ou optar por dissolver o Bundestag e realizar novas eleições.
Segundo a emissora de televisão alemã ARD, a presidente do Bundestag, Julia Klöckner, da CSU, pretende pautar a segunda rodada da votação para esta quarta-feira. Após a derrota de Merz, os partidos que formam a nova coalizão se reuniram para avaliar os próximos passos.
Merz depende de votos dos social-democratas
O bloco conservador CDU-CSU de Merz venceu as eleições nacionais em fevereiro, mas com 28,5% dos votos. O líder do partido então concordou em formar uma coalizão com os social-democratas, que obtiveram apenas 16,4%, seu pior resultado na história alemã do pós-guerra. O objetivo seria evitar um acerto com a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que ficou em segundo lugar no pleito.
O acordo com o SPD, que recebeu o aval dos sociais-democratas filiados à sigla nesta segunda-feira, tem 144 páginas e indica um endurecimento de leis e procedimentos sobre imigração, políticas que contrastam com as encampadas por Scholz nos últimos três anos.
O documento também prevê a entrega de pastas importantes para o SPD, como a vice-chancelaria, o ministério das Finanças, da Justiça e da Defesa. Já os conservadores seriam responsáveis por pastas como Relações Exteriores, Economia, Interior e Transportes.
O texto foi desenhado apesar de um processo eleitoral conturbado, com Merz fazendo duras críticas às políticas de imigração e economia do governo social-democrata.
O pleito aconteceu após dois ataques a faca – em Solingen e em Aschaffenburg – e um atropelamento em massa, em Magdeburg, que acirraram o já acalorado debate sobre imigraçãono país.
O líder da CDU, já chamado de “ultraconservador”, renovou promessas de apertar o cerco contra imigrantes sem documentação e passou no Parlamento uma moção em apoio a um polêmico projeto anti-imigração com apoio da AfD.
Com isso, Merz foi acusado deromper o cordão sanitário contra a ultradireita que se mantinha desde a Segunda Guerra, e foi alvo de frequentes críticas de políticos do SPD.
SPD diz não ser responsável pelo resultado
O colíder do SPD Lars Klingbeil disse à agência de notícias alemã DPA que todos os legisladores de seu partido estavam presentes na votação e que a legenda não é culpada pelos votos perdidos.
Klingbeil acrescentou que não tem motivos para acreditar que os quadros de seu partido não votaram em Merz.
“O voto [registrado] de 85% dos membros é uma obrigação para o partido, e ele o cumpriu”, disse ele à DPA. “Somos confiáveis”, acrescentou. Klingbeil assumiria o cargo de vice-chanceler em caso de vitória de Merz.
Apesar de compor a oposição ao futuro governo, a presidente dos Verdes, Franziska Brantner, disse não estar satisfeita com o fracasso da votação, devido ao sinal de instabilidade política que isto passa. “Queremos um governo capaz de agir em prol da Europa e da Alemanha” disse à DPA. “Agora eles precisam demonstrar que são capazes de fazer isso, inclusive nos próximos quatro anos”, continuou.
AfD comemora fracasso da votação
Já a AfD comemorou o fracasso da votação. A colíder do partido Alice Weidel afirmou que os resultados mostraram a fragilidade da nova coalizão federal.
“Isso mostra a base fraca sobre a qual está construída a pequena coalizão da CDU/CSU e do SPD, que foi rejeitada pelos cidadãos”, escreveu no X.
“Isso é bom, porque essa extensão da fraude eleitoral, para se tornar chanceler dessa forma e depois simplesmente ser aprovado, não deveria acontecer”, disse o secretário do grupo parlamentar da AfD, Bernd Baumann, em um vídeo no X.
Para Baumman, Merz “pagou o preço por todas as suas maquinações prévias”. Depois de fechar um acordo de coalizão com os social-democratas no mês passado, Merz irritou a oposição ao forçar uma reforma constitucional no parlamento e passar um superpacote de gastos que permitiria ao seu futuro governo aumentar a dívida pública para investimento em defesa e infraestrutura.
Apesar disso, a AfD disse que não vai tentar obstruir a próxima rodada de votação.
gq/cn (dw, ots)