O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que chegou na Rússia nesta quinta-feira (8) a convite do presidente Vladimir Putin para participar das comemorações dos 80 anos do Dia da Vitória. A visita tem sido alvo de críticas de representantes de Kiev por considerarem a visita oficial uma mostra de apoio à Rússia, que está em guerra com a Ucrânia.
Da última vez que um presidente brasileiro, no caso Jair Bolsonaro, esteve na Rússia, Putin estava prestes a invadir o território ucraniano.
Passados três anos, o chefe de Estado do Brasil mudou, mas a guerra continua, e o presidente Lula visita Moscou em um momento especialmente delicado.
Vladimir Putin anunciou, na semana passada, um cessar-fogo unilateral de três dias, entre 8 e 10 de maio, mas o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, recusou a proposta, que chamou de “performance teatral”.
Zelensky reforçou que está comprometido com a trégua, mas insiste que a duração deve ser de pelo menos um mês. Ele disse que a Ucrânia não vai “ficar brincando para criar uma atmosfera agradável que permita a saída de Putin do isolamento em 9 de maio”.
O Kremlin espera receber 29 chefes de Estado em Moscou, incluindo os presidentes Lula e Xi Jinping, da China.
Além de demonstrar força com o desfile de tropas, veículos militares e sistemas de armas, a Rússia busca mostrar que não está isolada, apesar dos esforços dos aliados ucranianos nesse sentido.
O presidente russo também deve aproveitar a presença de Xi Jinping, descrito como seu “principal convidado” para fortalecer ainda mais a relação entre Rússia e China.
A parceria, que tem se estreitado desde o início da guerra, é fundamental para Moscou driblar as sanções de Estados Unidos e Europa, com a venda de petróleo e gás russos para Pequim.

Putin e Xi Jinping devem demonstrar união no momento em que ambos estão sob pressão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O primeiro, pelo fim do conflito na Ucrânia. O segundo, pela guerra tarifária que abala a economia global.
Nesse contexto, o presidente Lula busca sinalizar a independência da política externa brasileira com a visita à Rússia e, depois, à China. Mas especialistas ouvidos pela CNN alertam que a ida a Moscou pode reforçar o alinhamento a Putin e prejudicar a imagem do Brasil como defensor do direito internacional.
Relembre como foi a visita de Bolsonaro a Putin
Quando o ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu visitar Vladimir Putin, em fevereiro de 2022, as críticas vieram dos Estado Unidos, na época o país era governado por Joe Biden, aliado próximo de Volodymyr Zelensky.
Naquele momento, a Rússia posicionava tropas na fronteira com a Ucrânia, que seria invadida uma semana depois.
“Naquele contexto, o governo Bolsonaro estava bastante isolado internacionalmente e buscava qualquer possibilidade de conseguir algum tipo de interlocução com outros países, mesmo com Rússia em momento bastante crítico”, explicou o professor de Relações Internacionais da FGV, Pedro Brites.
“Havia também a questão ideológica, do alinhamento com a Rússia”, acrescentou.
Mesmo com o conflito iminente, Bolsonaro disse ao lado de Putin que se “solidarizava com a Rússia”.
“O momento em que o presidente do Brasil se solidarizou com a Rússia, quando as forças russas se preparam para lançar ataques a cidades ucranianas, não poderia ter sido pior”, disse à CNN um porta-voz do Departamento de Estado.
“Isso mina a diplomacia internacional destinada a evitar um desastre estratégico e humanitário, bem como os próprios apelos do Brasil por uma solução pacífica para a crise”, afirmou.

Na época, o analista de internacional da CNN Lourival Sant’Anna afirmou que o mundo veria essa solidariedade como “apoio do Brasil à invasão ou à intimidação militar à Ucrânia”.
Agora, o momento é outro, e Lula busca se posicionar diante da disputa entre as grandes potências, reforçando sua aposta nos Brics e no Sul Global.
“Claro, a agressão da Rússia e a violação da soberania da Ucrânia é inconteste, mas esse esforço do Brasil de fortalecer suas posições no cenário internacional está muito amparado no Sul Global e esses países (latinoamericanos, africanos, asiáticos) não têm discurso tão crítico à Rússia quanto o Ocidente”, observa Brites.
“Considerando que o governo brasileiro vê esses países como prioritários, inclusive a Rússia, a visita de Lula a Moscou é uma sinalização que o Brasil está disposto a dialogar, a mediar e não está isolado”,
conclui Pedro Brites, referindo-se à intenção do governo Lula de se colocar como ponto de contato entre o Sul e o Norte Global.
O que esperar de Lula na Rússia
Em Moscou, a expectativa é que Lula defenda em conversa com Vladimir Putin as credenciais do Brasil para mediar o conflito na Ucrânia.
O governo brasileiro elaborou em parceria com a China no ano passado um plano de paz, que foi considerado “equilibrado” por Putin, mas enfrentou resistências da Ucrânia.
A ideia era estabelecer o cessar-fogo, aumentar a ajuda humanitária para os dois lados e criar um “clube da paz” para discutir a resolução do conflito. A iniciativa, no entanto, não previa a retirada de tropas russas do território ucraniano.
Com cerca de 20% da Ucrânia ocupada pela Rússia, a questão territorial é considerada um dos principais entraves para o fim do conflito. Os esforços para a paz esbarram ainda na resistência de Vladimir Putin em aceitar o cessar-fogo duradouro enquanto está em posição de vantagem.
Com Trump, EUA entram no jogo
Sob Donald Trump, os Estados Unidos retomaram as negociações com russos e ucranianos, em conversas separadas.
A Ucrânia concordou com o cessar-fogo de um mês e assinou o acordo para o compartilhamento de minerais e terras raras com os EUA em troca de investimentos para a reconstrução do país.
Putin, por sua vez, declarou que apoiava o cessar-fogo, mas havia “questões a discutir” e a pausa nunca foi implementada de fato.
Em proposta apresentada do mês passado, o governo de Trump sugeriu reconhecer a anexação da Crimeia e do domínio russo nas regiões de Luhansk, Zaporizhzhia, Donetsk e Kherson.
Embora admita que a Ucrânia não tem força militar para recuperar a Crimeia, capturada em 2014, o presidente Volodymyr Zelensky se nega a legitimar a anexação ilegal da península.
Kiev defende que a comunidade internacional deve manter a pressão econômica e diplomática sobre Moscou para garantir o cessar-fogo, que seria o primeiro passo para resolução das questões territoriais.
Diante do impasse, o líder americano acusou Zelensky de prolongar a guerra e seu governo ameaçou abandonar os esforços para a paz.
O vice-presidente JD Vance afirmou, na semana passada, que o acordo agora caberia aos russos e ucranianos e exaltou as habilidades de Trump como negociador, mas admitiu que a guerra não deve terminar “nem tão cedo”.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Visita a Putin no passado já rendeu críticas ao Brasil; relembre no site CNN Brasil.