Para marcar distanciamento ainda maior da Coreia do Sul, seu “maior inimigo”, ditador Kim Jong-un proibiu música, mudou hino nacional e destruiu resort intercoreano.A música “Prazer em Conhecê-lo”, reconhecida há muitos anos como um símbolo de reconciliação na península coreana, foi proibida na Coreia do Norte. E embora o veto a uma música possa parecer um fato lateral dado o histórico de animosidades entre Norte e Sul, analistas afirmam que a medida faz parte de um movimento de Pyongyang de se distanciar ainda mais de seu vizinho, inclusive culturalmente.
A música – “Bangapseumnida”, em coreano – foi originalmente interpretada em 1991, durante uma turnê no Japão da orquestra norte-coreana Pochonbo Electronic Ensemble. A música ganhou popularidade depois de ser frequentemente escolhida para tocar durante eventos de intercâmbio bilateral.
Seu ritmo animado e a letra fácil de cantar, além de ser relativamente livre de ideologia política, contribuíram para a música “colar”.
A agência de notícias japonesa Kyodo News informou na terça-feira (06/05) que o ditador norte-coreano Kim Jong-un proibiu a canção após atualizar a classificação da Coreia do Sul como “principal inimigo” do Norte, no fim do ano passado, interrompendo décadas de tentativas de reaproximação entre os dois países.
Outras atitudes indicam a intenção do governo comunista de apagar qualquer marca de sentimento fraterno com o Sul. O hino nacional mudou para retirar a menção ao vizinho, e o mapa da previsão do tempo na televisão não mostra mais a parte sul da península coreana, por exemplo.
Resort demolido
Outro símbolo do desejo de unidade intercoreana, o complexo turístico no monte Kumgang foi demolido, de acordo com análise de imagens de satélite divulgada em abril pelo centro de estudos Stimson Center, sediado em Washington DC.
No local, ao norte da Zona Desmilitarizada que divide a península, empresas sul-coreanas construíram hotéis, restaurantes, um resort de golfe e um spa. Uma das instalações sediou breves reuniões de famílias divididas pela Guerra da Coreia, que durou de 1950 a 1953 e marcou a divisão da península.
O experimento também atraiu turistas curiosos do Sul e fortaleceu a economia do Norte, mas foi interrompido repentinamente em 2008, quando uma mulher sul-coreana que havia se desviado do caminho autorizado foi baleada e morta por um guarda norte-coreano.
Em 2019, Kim Jong-un visitou o local e ordenou a sua destruição.
As imagens de satélite mais recentes mostram que resta pouca coisa além das fundações dos prédios.
“Acho que Kim chegou à conclusão de que melhorar as relações com o Sul não beneficiará nem a ele nem a seu regime”, disse Kim Sang-woo, ex-membro do Congresso Sul-Coreano para Novas Políticas, partido de esquerda extinto, que agora atua na Fundação para a Paz Kim Dae-jung.
Novo parceiro estratégico
Pyongyang vem aumentando a distância em relação a Seul há algum tempo, enquanto se dedica a estreitar os laços com a Rússia, observou o ex-político à DW.
“Ele [Kim Jong-un] se esforçou muito para fortalecer as relações com a Rússia, que, por sua vez, lhe forneceu tecnologia militar e a promessa de que, de acordo com os termos do acordo de segurança, intervirá a favor do Norte se houver um conflito com o Sul ou com os EUA”, disse Kim Dae-jung à DW.
“Isso deu a Kim mais confiança e a crença de que o Sul oferece menos oportunidades.”
Rah Jong-yil, ex-diplomata e oficial sênior da inteligência sul-coreana, acredita que a mudança de atitude de Kim pode ser atribuída à cúpula de fevereiro de 2019 em Hanói, no Vietnã, com o presidente dos EUA, Donald Trump.
“Kim foi para lá com grandes expectativas de que um acordo estava pronto para ser feito, que investimentos seriam feitos e que as sanções das Nações Unidas seriam suspensas, mas a cúpula foi um fracasso total e ele sofreu uma enorme perda de prestígio”, disse Rah.
Seis anos depois, “a maioria dos traços do Sul foi apagada no Norte”, disse ele, ressaltando que os dois lados cortaram toda comunicação.
Em 7 de março, por exemplo, dois pescadores norte-coreanos encontrados à deriva em águas sul-coreanas na costa oeste foram resgatados pela Guarda Costeira da Coreia e levados para terra firme no Sul.
Os dois homens disseram que não estavam tentando desertar e que desejavam retornar ao Norte.
Os esforços repetidos das autoridades sul-coreanas e do Comando das Nações Unidas na fronteira para informar ao Norte que dois de seus cidadãos estão tentando retornar foram ignorados.
Sem comunicação
“O relacionamento está completamente congelado”, disse Rah. “Não há trocas e não vejo como isso pode mudar porque a posição oficial do Norte agora é que as duas Coreias são dois Estados separados e hostis que não podem se reconciliar.”
Kim Sang-woo não está nem um pouco otimista de que a provável eleição do Partido Democrático de esquerda nas eleições gerais de 3 de junho permitirá a construção de novas pontes.
“Se o Partido Democrata vencer as eleições, tenho certeza de que o novo presidente tentará se aproximar do Norte, demonstrará boa vontade e se oferecerá para melhorar as relações”, disse ele. “Mas acho que Kim decidirá que laços mais estreitos com Moscou lhe oferecerão melhores retornos.”