A Câmara dos Deputados suspendeu a ação penal que tem como objeto o envolvimento do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) em uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Após aval da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), foram 315 votos favoráveis e 143 contrários, em plenário, ao entendimento de que o processo fere a imunidade parlamentar e cabe ao Legislativo decidir sobre o prosseguimento de uma denúncia contra um de seus integrantes.
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Nas linhas da trama golpista
Diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no governo de Jair Bolsonaro (PL), Ramagem foi denunciado pelos crimes de dano qualificado pela violência, deterioração de patrimônio tombado, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta ao Estado Democrático de Direito e organização criminosa.
Pelo mesmo caso, o ex-presidente e outros 20 integrantes da suposta trama tornaram-se réus no STF (Supremo Tribunal Federal). A aprovação inicial, na CCJ, foi celebrada no carro de som em que Bolsonaro e aliados pediam anistia aos condenados pela invasão do 8 de janeiro de 2023, em Brasília.
Na discussão da proposta, tanto a base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto a oposição deixaram claro que o texto beneficia, em última instância, Bolsonaro e os outros denunciados.
Ou seja, a partir da decisão da Câmara, o STF teria que travar a ação penal contra os 34 denunciados pela trama — apenas Ramagem tem cargo eletivo. A corte, no entanto, declarou que os deputados não têm poder para suspender um processo judicial contra acusados que não são parlamentares.
Ação e reação
A suspensão se insere em um contexto de embate entre o Parlamento e o Supremo ao redor da imunidade parlamentar, já que, além da trama golpista, há outras ações da Polícia Federal contra deputados.
Em dezembro de 2024, o indiciamento de dois parlamentares por ofensas proferidas contra um delegado gerou manifestações contrárias até no campo da esquerda. Em abril, a Câmara aprovou a criação da Secretaria de Defesa das Prerrogativas Parlamentares, com o objetivo declarado de proteger o dispositivo.
Trancamento sob análise
A IstoÉ solicitou análises a dois advogados penalistas para entender os fundamentos e consequências dessa decisão legislativa sobre o processo que pode levar à prisão os réus pela tentativa de golpe.
— Frederico Crissiuma de Figueiredo, especialista em direito penal e advogado da Castelo Branco Advogados Associados
A suspensão integral da ação penal é inconstitucional. A Constituição Federal permite à Câmara dos Deputados sustar o andamento de processos em relação a crimes cometidos por parlamentares após a diplomação. No caso de Ramagem, isso se aplicaria somente aos crimes relacionados ao 8 de janeiro de 2023 — como dano qualificado ao patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado. Os outros delitos imputados a ele, como tentativa de golpe e organização criminosa, teriam ocorrido antes da diplomação e, portanto, não estão abrangidos pela suspensão.
A tentativa de estender os efeitos da suspensão aos réus que não possuem mandato parlamentar, como Jair Bolsonaro, é juridicamente inviável. Dessa forma, o STF pode invalidar a suspensão integral aprovada e manter a ação em relação ao que está fora do guarda-chuva da imunidade parlamentar.
Ao fim do mandato de Ramagem, a ação referente aos crimes cometidos após a diplomação será retomada automaticamente, sem necessidade de nova autorização da Câmara. Durante o período em que ela estiver suspensa para os delitos do período de imunidade, o prazo de prescrição dessas infrações também fica suspenso. Isso significa que o tempo não corre para efeitos de prescrição enquanto durar o mandato parlamentar.
— Raquel Scalcon, professora de direito penal da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas)
A regra da imunidade parlamentar está vinculada ao exercício atual da função e limitada a crimes que ocorreram durante esse exercício, o que faz com que se aplique apenas para as acusações contra Ramagem que envolvem o 8 de janeiro. É uma medida prevista como competência da Câmara, e se aplica a quaisquer delitos que um integrante da atual legislatura tenha cometido desde 1º de janeiro de 2023.
Não vejo possibilidade de haver uma extensão para outros crimes ou corréus, por se tratar de uma prerrogativa da função, claramente delimitada. Naturalmente, é uma questão que vira palco de conflitos dentro do contexto de enfrentamento entre Congresso e Supremo, mas é menos complexa quando entendida como uma interpretação da regra.
*Com informações de Estadão Conteúdo