Em novembro de 2024, o Brasil reconquistou o certificado de eliminação do sarampo, perdido em 2019 após um surto que atingiu o país. Agora, porém, novos casos começaram a surgir, acendendo o sinal de alerta entre as autoridades de saúde. Apenas nos quatro primeiros meses deste ano, 416 casos da doença foram notificados e cinco confirmados, segundo o Ministério da Saúde. No ano passado inteiro, foram notificadas 2.260 suspeitas, e houve cinco confirmações.
Até agora, os casos registrados são considerados esporádicos e não há registro de mortes. Dois ocorreram no Rio de Janeiro, em bebês gêmeos que ainda não tinham idade para receber a vacina. No Distrito Federal, uma mulher adulta foi diagnosticada após provável contaminação durante uma viagem internacional. Outro caso foi registrado em Porto Alegre, também relacionado a uma viagem ao exterior. O mais recente, em São Paulo, envolve um homem de 31 anos, cuja origem da infecção está sob investigação.
Em nota enviada à Agência Einstein, o Ministério da Saúde diz que “casos esporádicos como esses não comprometem a certificação do Brasil como país livre da circulação endêmica do sarampo, concedida pela OPAS/OMS em novembro de 2024. Embora o sarampo ainda circule em algumas regiões do mundo, a rápida resposta das autoridades de saúde tem sido essencial para evitar a transmissão local”. A pasta informou ainda que tem apoiado estados com casos de sarampo, com o envio de equipes técnicas para ações de vigilância e vacinação.
No mundo, os casos confirmados de sarampo ultrapassaram 359 mil em 2024, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Isso, somado às lacunas na cobertura vacinal, levou a surtos localizados em seis países das Américas, com 2.313 casos notificados até o momento em 2025. Três mortes foram confirmadas e mais uma está sob investigação.
“O sarampo é uma das doenças mais contagiosas do mundo”, alertou Jarbas Barbosa, diretor da OPAS em coletiva de imprensa realizada no final de abril. “E os países têm tido dificuldades para manter a cobertura recomendada de 95% da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), deixando-nos suscetíveis a casos importados”, acrescentou.
Somente nos Estados Unidos, o número de casos de sarampo disparou em 2025, com 884 registros confirmados até 24 de abril, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Desse total, 93% estão ligados a surtos em determinadas regiões do país. O salto é expressivo em relação ao ano anterior, quando 285 casos foram contabilizados no total.
A Europa e a África também vivem um cenário de alerta, com o aumento consistente de infecções em vários países. “O mundo vem vivenciando um aumento gradativo de registros de sarampo. A cada ano, o número de casos globalmente aumenta, com Europa e África sempre sendo os epicentros e, atualmente, a região das Américas – concentrado os casos em surtos nos Estados Unidos, principalmente. Mas Argentina e Brasil também reportaram casos, daí a preocupação”, observa o infectologista pediátrico Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
Em um mundo cada vez mais globalizado, as viagens internacionais continuam sendo uma das principais vias para a reintrodução de doenças que estavam erradicadas ou sob controle em determinados países. E o sarampo é um exemplo clássico dessa dinâmica: por ser altamente contagioso, o vírus se espalha com rapidez em populações com baixa cobertura vacinal.
“Entre todas as doenças infecciosas, o sarampo talvez seja a que apresenta a maior transmissibilidade. Costumamos dizer que ele não poupa indivíduos suscetíveis. Se encontra alguém não vacinado e que nunca teve a doença, a chance de contágio é enorme. Por isso, em cenários de baixa vacinação, o sarampo é sempre o primeiro a ressurgir e se espalhar com facilidade”, alerta Kfouri.
A seguir, saiba mais sobre a doença e como se proteger contra ela.
1. O que é a doença?
O sarampo é uma infecção viral altamente contagiosa que acomete exclusivamente os seres humanos. “Por essa característica, seria facilmente erradicada pela vacinação, caso houvesse adesão por grande parte da população”, pontua a infectologista Emy Akiyama Gouveia, do Hospital Israelita Albert Einstein. A doença ocorre em todo o mundo e permanece como uma causa importante de óbito em crianças menores de 5 anos.
2. Como o vírus é transmitido?
O sarampo é causado por um vírus de transmissão respiratória, que se espalha por meio de gotículas expelidas ao falar, tossir ou espirrar. Sua facilidade de disseminação e altíssima taxa de contágio preocupam especialistas: uma única pessoa infectada pode transmitir a doença para até 18 outras que não são vacinadas.
Para efeito de comparação, no auge da transmissão, o coronavírus Sars-CoV-2, responsável pela pandemia de Covid-19, tinha uma taxa média de transmissão de cerca de 3,8 pessoas por infectado, quase cinco vezes menos que o sarampo. “Quando se detecta um caso, se houver um bolsão de suscetíveis, o vírus se dissemina de forma muito eficiente. A doença é considerada um marcador de quão frágil é a cobertura vacinal de uma determinada região”, explica o infectologista pediátrico Daniel Jarovsky, secretário do departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
3. Quais os sintomas?
Após o contato com o vírus, o período médio de incubação varia de seis a 21 dias (em média, são 13 dias), quando o patógeno entra nas mucosas dos olhos ou das vias aéreas da pessoa suscetível. Esse é o chamado período de latência, em que o vírus fica replicando no organismo sem ainda causar a doença.
Em seguida começa o período de pródromo, caracterizado por sintomas inespecíficos, como tosse, coriza, conjuntivite e febre alta (até 40 graus) – muito parecidos com um quadro gripal. Essa fase dura por volta de dois a quatro dias e pode persistir por até oito dias.
O próximo passo da infecção é o surgimento do enantema, ou “manchas de Koplik”, lesões típicas que aparecem na mucosa da boca, perto dos molares, e devem ser procuradas antes do surgimento das manchas da pele. Elas duram entre 12 e 72 horas, e começam a desaparecer com o início da fase exantemática, caracterizada pelo surgimento das manchas/erupções da pele propriamente ditas.
Essas manchas surgem de dois a quatro dias após o início da febre, começando pela face e espalhando de cima para baixo e do centro para a periferia do corpo. Palmas das mãos e plantas dos pés são geralmente poupadas. “Aproximadamente 48 horas após o aparecimento das lesões o paciente começa a apresentar melhora. As lesões mudam para uma cor mais amarronzada, podendo ocorrer descamação”, descreve Gouveia. “A tosse pode ocorrer por até duas semanas e a piora da febre entre o 3º e 4º dias do surgimento das lesões da pele indica a possibilidade de complicações da doença.”
A transmissão do sarampo pode ocorrer até cinco dias antes do desenvolvimento do exantema (as erupções na pele). “Ou seja, a pessoa apresenta um quadro típico de síndrome gripal e, eventualmente, não está em isolamento, frequentando a escola ou mesmo serviços de saúde”, alerta a infectologista do Einstein. A transmissão continua até quatro dias após o aparecimento das manchas da pele. “Uma pessoa positiva [para a doença] pode neste período acometer 90% das pessoas que estão suscetíveis no seu entorno”, afirma Emy Gouveia.
4. Quais são as possíveis complicações?
Mais de 90% dos casos de sarampo são considerados benignos. No entanto, a doença provoca um efeito de imunossupressão que compromete significativamente as defesas do organismo. Esse enfraquecimento do sistema imunológico torna o paciente mais vulnerável a outras infecções oportunistas secundárias, aumentando o risco de complicações mesmo após a fase aguda da doença.
Entre as mais comuns estão a pneumonite (pneumonia viral causada pelo próprio vírus), otite média, diarreia intensa e pneumonia bacteriana secundária. Em quadros mais severos, a doença pode levar a danos permanentes, como a perda da visão por lesões na córnea.
Também há risco de complicações neurológicas potencialmente fatais, como a panencefalite esclerosante subaguda, uma condição degenerativa que pode surgir anos após a infecção e leva à morte de forma muito rápida. Há ainda a encefalomielite disseminada aguda, que afeta o cérebro e a medula espinhal.
6. Como é a vacinação?
A vacina tríplice viral é o principal meio de prevenção contra o sarampo. Ela contém vírus vivos atenuados (enfraquecidos), estimulando o sistema imunológico a produzir uma resposta protetora sem causar a doença.
No Programa Nacional de Imunizações (PNI), a estratégia de imunização tem como foco a população pediátrica e está indicada em duas doses, uma aos 12 e outra aos 15 meses. Adolescentes e adultos que nunca foram vacinados ou estão com o esquema vacinal incompleto também devem ser imunizados: até os 29 anos, a recomendação é receber duas doses com intervalo de um mês; e entre 30 e 59 anos, uma dose. Em situações de surto, pode ser avaliada a vacinação de crianças entre 6 e 12 meses e maiores de 59 anos.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2023, a cobertura vacinal foi de 90,02% na primeira dose e 67,42% na segunda. Em 2024, os números subiram para 95,33% na primeira dose e 79,86% na segunda, com meta de cobertura de 95%. A pasta não informou dados referentes a este ano.
O principal objetivo da vacina é prevenir a infecção, pois ela traz uma resposta muito robusta de anticorpos. Mas nenhuma vacina é 100% protetora — uma pessoa vacinada pode se infectar, mas provavelmente desenvolverá uma forma branda ou até atípica da doença.
“Pela sua composição de vírus atenuados, a vacina é contraindicada para pessoas imunodeprimidas de maneira geral”, alerta Jarovsky. Mas a vacinação da população em geral contribui para a proteção dessas pessoas com contraindicação à vacina, a chamada “imunização de rebanho”, que deve ser mantida acima de 85 a 95% de cobertura vacinal.
Quando aplicada nas idades corretas, a vacina do sarampo garante uma imunidade vitalícia. Porém, como nem toda vacina tem 100% de eficácia, seria importante ampliar e atingir as metas de coberturas vacinais no Brasil e no mundo.
7. Além da vacina, como se proteger?
A vacinação é a principal maneira de se proteger contra o sarampo, por isso, é importante verificar sua carteira de vacinação. “Vale a velha premissa: se uma pessoa está doente e precisa se expor à comunidade, como ir ao médico, por exemplo, deverá utilizar uma máscara cirúrgica para proteger as pessoas do seu entorno, evitando assim a disseminação de qualquer doença infectocontagiosa”, orienta Gouveia.
Para quem vai viajar, uma dica é verificar se o país que vai visitar está apresentando surto de sarampo e avaliar o estado vacinal de todas as pessoas que irão junto. Programe-se para estar totalmente vacinado contra o sarampo pelo menos seis semanas antes da viagem. Se a sua viagem for em menos de duas semanas e você não estiver protegido, ainda assim deverá tomar uma dose, que já oferece 93% de proteção contra a doença.
Até o momento, os casos de sarampo registrados no Brasil são considerados importados e, segundo as autoridades, não estão ligados a cadeias de transmissão locais. A explicação, de acordo com especialistas, é que esses episódios pontuais não encontraram pessoas suscetíveis ao redor — reflexo da proteção conferida pela vacinação.
“Esse é o grande desafio: manter uma população altamente vacinada para impedir que esses casos isolados, inevitáveis em um mundo com tanta mobilidade, evoluam para surtos”, avalia o infectologista Renato Kfouri.
Para ele, a “lição de casa” das autoridades sanitárias é clara: reconhecer precocemente os casos, manter vigilância ativa, isolar os pacientes confirmados, vacinar os contactantes e, se necessário, realizar busca ativa de possíveis infectados. “Só assim evitamos o acúmulo de suscetíveis que possa criar um ambiente propício à propagação do vírus”, conclui o vice-presidente da Sbim.
Fonte: Agência Einstein