Empresas e pesquisadores japoneses apostam em drones, inteligência artificial e escavadeiras blindadas para livrar território ucraniano de dispositivos que ameaçam a população e contaminam o solo.O Japão tem empenhado suas habilidades diplomáticas e tecnológicas na tentativa de ajudar a Ucrânia a se livrar de um problema escondido em um quarto de seu território: cerca de 2 milhões de minas terrestres ameaçam a população local e contaminam o solo de um país que tem a produção de grãos como principal atividade econômica.
O Japão sediará um workshop internacional no segundo semestre com foco nos esforços de remoção de minas no país devastado pela guerra conduzida pela Rússia. Em dezembro, presidirá a 22ª conferência das partes da Convenção de Ottawa – acordo de 1997 que proíbe o uso, o armazenamento, a produção e a transferência de minas antipessoais –, em Genebra.
Ao mesmo tempo, o governo japonês, empresas e acadêmicos buscam aliar tecnologia de ponta a abordagens mais tradicionais para limpar grandes áreas de minas e munições não detonadas.
Empresas japonesas têm décadas de experiência nesse setor. A Komatsu, fabricante de equipamentos de construção pesada sediada em Tóquio, trabalha com ONGs no Camboja desde 1999 para limpar campos de arroz e a zona rural de minas decorrentes de guerras e conflitos. Desde então, a empresa expandiu programas semelhantes para Laos, Afeganistão e Angola.
Detonando dispositivos
Em julho do ano passado, o embaixador do Japão em Kiev, Kuninori Matsuda, entregou quatro escavadeiras Komatsu fortemente blindadas à Ucrânia. As máquinas são equipadas para detonar com segurança minas antipessoais “in situ”, ou seja, em sua posição original.
O Ministério do Exterior de Tóquio afirmou que a remoção de minas e artefatos não detonados era “não apenas essencial para garantir a segurança dos residentes, mas também um pré-requisito para a recuperação e a reconstrução” da Ucrânia.
No mês seguinte, um grupo de estagiários do serviço de emergência da Ucrânia viajou para o Japão para receber instruções sobre a operação e a manutenção de equipamentos, antes de seguir para o Camboja para treinamento prático em campo.
Desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022, até o final de 2024, o Japão forneceu à Ucrânia 91 bilhões de ienes (R$ 3,5 bilhões) em subsídios para ajudar na sua reconstrução.
De acordo com os termos de sua Constituição, elaborada após a Segunda Guerra Mundial, o Japão tem restrições rigorosas sobre a oferta de ajuda militar. Dentro dessa linha, Tóquio ajudou Kiev com equipamentos médicos, capacetes e coletes à prova de balas, mas não enviou munições ou sistemas de armas, como outras nações.
No entanto, sucessivos líderes japoneses se comprometeram a fazer o que puderem para ajudar. “O Japão intensificará seus esforços nas áreas de remoção de minas para permitir que o povo ucraniano se sinta tranquilo ao restabelecer sua vida diária”, disse o então primeiro-ministro Fumio Kishida aos participantes da Cúpula de Paz da Ucrânia na Suíça, no ano passado.
Drones treinados para encontrar minas
Enquanto a Komatsu aposta em técnicas testadas e comprovadas, outras iniciativas têm buscado os mais recentes avanços tecnológicos para resolver o problema das minas. Em fevereiro, Hideyuki Sawada, professor da escola de ciências avançadas e engenharia da Universidade Waseda de Tóquio, participou de um seminário online organizado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha para detalhar seus últimos avanços.
A equipe de Sawada está desenvolvendo um sistema que usa inteligência artificial (IA) para identificar minas por meio de um drone equipado com uma câmera infravermelha. O drone é capaz de escanear grandes áreas muito mais rapidamente do que humanos com equipamentos de detecção portáteis. As ameaças em potencial podem então ser marcadas para que engenheiros especializados façam a remoção dos artefatos.
“Comecei essa pesquisa em 2019 e estou tentando fazer com que os robôs se comportem e reajam como um ser humano”, disse Sawada, especialista em inteligência artificial, robótica e aprendizado de máquina. “Estamos usando o aprendizado de máquina para ensinar o robô a identificar uma mina a partir das centenas de imagens que inserimos.”
O desafio é ainda maior porque as minas geralmente são enterradas, o que justifica a necessidade de uma câmera infravermelha para ajudar a detectar e identificar um alvo a partir da assinatura térmica de seu metal ou plástico, acrescentou. As temperaturas, os níveis de umidade e a composição do solo complicam ainda mais a situação, mas estão sendo superados gradualmente, disse Sawada.
“No momento, temos uma taxa de sucesso de cerca de 95% para minas enterradas e estamos adicionando variáveis extras, como temperatura e terreno”, afirmou.
Sawada e sua equipe estão coletando dados sobre essas variáveis na Ucrânia. O especialista japonês está ansioso para entrar em campo, mas diz que é preciso trabalhar mais para obter os melhores resultados. “Há mais de 100 tipos diferentes de minas que foram usadas lá, portanto é difícil reunir todos os dados de que precisamos para cada situação.”
Protegendo uma geração de crianças
“Mesmo que o sistema ainda não seja perfeito, acredito que é muito importante testá-lo num ambiente real e coletar mais dados, para que possamos desenvolver nosso conhecimento sobre a tecnologia e o ambiente e nos tornar mais eficazes”, disse Sawada.
É fundamental que essas melhorias sejam feitas rapidamente, acrescentou. “Sabemos que 40% das vítimas de minas terrestres são crianças que estão brincando nos campos e acidentalmente pisam numa mina”, disse. “Resolver esse problema significa que uma geração inteira de crianças não terá que passar por isso.”
“Na Ucrânia, mesmo após o fim da guerra, as minas ainda estarão lá”, lamentou Sawada. “Quero fazer o meu melhor para mudar isso, e há outras empresas e organizações japonesas que estão fazendo o mesmo.”