Menos engarrafamentos e áreas de estacionamento, ar mais limpo: os argumentos a favor dos meios públicos são fortes. Porém para muitos o carro próprio é essencial. Jacarta, Londres, Paris e outras metrópoles reagem.Espalhados em meio ao tráfego em movimento constante de Jacarta, estão alguns milhares de ônibus azuis-e-brancos. Eles chegam a cada canto da megacidade de 11 milhões de habitantes carregando um fluxo infinito de gente que entra e sai dos veículos sem se preocupar em como e onde estacionar. Essa rede é um componente vital da resposta local ao excesso de tráfego motorizado.
A capital indonésia não está sozinha. Em nível global, a poluição atmosférica e acidentes de trânsito com carros, vans e motocicletas matam 2 milhões de seres humanos anualmente. Além disso, os veículos de motores a combustão são responsáveis por 10% das emissões carbônicas implicadas nas mudanças climáticas.
Em diversas partes do mundo, a reação ao crescimento da circulação urbana tem sido construir mais pistas, viadutos e áreas de estacionamento. Isso, porém, só atrai ainda mais carros e aumenta o potencial de engarrafamentos.
Assim, no interesse de estradas mais seguras e descongestionadas e de ar mais puro, algumas cidades estão tentando convencer seus habitantes a renunciarem aos automóveis particulares em favor dos transportes públicos. Suas abordagens são tão variadas quanto o grau de sucesso.
Transporte urbano grátis é a solução?
Algumas cidades, como a capital da Estônia, Tallinn, optaram por uma solução aparentemente simples: num referendo, em 2012, seus quase meio milhão de cidadãos votaram pela gratuidade de trens, bondes e ônibus para os residentes. Assim, a partir do ano seguinte, prefeitura passou a arcar com os custos anuais de cerca de 40 euros (R$ 250) por pessoa.
Merlin Rehema, pesquisador de sustentabilidade urbana da ONG Stockholm Environment Institute, relata resultados antes contraintuitivos: “O uso de transporte público caiu dramaticamente, de 42% para 30%”, e o de automóveis subiu 5%. “Quem já usava os meios públicos, está usando com mais frequência. E, até certo ponto, as caminhadas curtas ou voltas de bicicleta de antes também foram substituídas por viagens de ônibus.”
Outros locais em que os transportes urbanos são de graça, como Luxemburgo, a ilha de Malta e a cidade americana de Kansas City, registram resultados semelhantes. Os pesquisadores atribuem o fato, em parte, às restrições ditadas pela pandemia de covid-19, mas há outros fatores.
O comportamentalista Pete Dyson, da Universidade de Bath, no Reino Unido, lembra que as decisões sobre como viajar também têm motivação psicológica: ser proprietário de um automóvel inclui “tipicamente aspectos de status e orgulho”. Carros atendem ainda a necessidade humana de segurança de conforto, ao contrário de ônibus com atraso e superlotados.
Uma forma de compensar esse desequilíbrio seria dar aos ônibus prioridade em relação aos carros, tornando as viagens mais tranquilas, pontuais e confiáveis, e o transporte público “um ambiente mais seguro, mais confortável”. Outra estratégia seria garantir benefícios como “acesso a um assento ou mesa, ou a possibilidade de fazer coisas úteis durante o trajeto”, sugere o cientista.
TransJakarta e conectividade total
Essa está sendo a direção em Jacarta: os ônibus têm ar-condicionado, áreas separadas para mulheres – os pintados de cor-de-rosa são exclusivamente femininos – e pessoal para fornecer qualquer assistência e informação necessárias. Cada viagem custa apenas o equivalente a 0,20 euro (R$ 1,25).
Cerca de 10% do transporte humano é atualmente feito por ônibus e trem, e o governo quer sextuplicar essa proporção até o ano 2030. Contudo o tráfego de carros e motocicletas também está crescendo.
“O maior desafio aqui, ou maior trabalho de casa, é convencer o povo a usar os meios públicos, comenta Gonggomtua Sitanggang, diretor para o Sudeste Asiático da ONG Institute for Transportation and Development Policy.
Até o momento, a capital da Indonésia estabeleceu um sistema de Ônibus de Trânsito Rápido (BRT), remanejando as pistas existentes para criar 14 corredores exclusivos ao transporte público. A rede, denominada TransJakarta, cobre 250 quilômetros e está conectada aos 2.200 mini-ônibus azuis-e-brancos cujos pontos ficam num raio de 500 metros, por quase toda a metrópole.
“E esses mini-ônibus são gratuitos, para incentivar os cidadãos a utilizarem o transporte urbano”, explica Sitanggang, que considera essa conectividade do primeiro ao último quilômetro é importante para criar acesso aos meios públicos.
Desencorajando os proprietários de automóveis
Outros governos apostam na estratégia de tornar menos atraente o uso de carros particulares, por exemplo através de impostos. A partir de 2025, os proprietários da Estônia terão que pagar tanto o registro inicial quanto uma taxa automotiva anual. Em Londres o estabelecimento de uma zona de taxa de congestionamento (congestion charge zone) fez cair o tráfego de automóveis, aumentando o uso de ônibus e metrô.
Porém Rehema lembra que há outras formas de desincentivar a prática, como “realmente reprojetar nossas cidades a fim de favorecer o uso dos transportes públicos”. É o que Paris vem fazendo, ao remover dezenas de milhares de estacionamentos, fechar ruas inteiras para carros e triplicar as taxas de estacionamento para SUVs grandes e poluentes.
Jacarta está também começando a reformular a infraestrutura da área central Dukuh Atas, que tem dezenas de milhares de vagas de estacionamento, mas também se localiza num importante polo de transporte urbano, com conexões rodoviárias e ferroviárias. “Começamos por agilizar a conectividade, as zonas para pedestres e ciclistas, e aí desenvolvemos uma estratégia para reduzir o espaço de estacionamento na área”, explica Gonggomtua Sitanggang.
Na opinião do pesquisador Dyson, é possível agir, mesmo em cidades onde não há como transformar rapidamente a infraestrutura: “Entre as melhorias rápidas para uma rede existente estaria elevar a qualidade da informação sobre as rotas e a orientação na cidade, e simplificar as passagens e tarifas.”