Como tarifaço e clima abalam produção de conhaque na França

"SetorConsiderado o melhor brandy de uva do mundo, bebida produzida nos arredores de Cognac é exportada para mais de 150 países. Produtores registraram queda nas vendas.Vinhedos até onde a vista alcança, dos quais 24 hectares pertencem a Alain Reboul, de 62 anos, da sétima geração de viticultores. Sua vinícola Earl des Bois Nobles é uma das menores da região francesa de Cognac e fica a cerca de 100 quilômetros ao norte de Bordeaux. A região estritamente regulamentada é o lar de 4.350 vinicultores. Somente as uvas das seis áreas de cultivo de variedades de vinho branco precisamente definidas podem ser usadas para o conhaque.

O maior mercado para o fino destilado são os EUA: Trump ameaçou impor tarifas de 200% sobre as bebidas alcoólicas europeias. O segundo maior mercado é a China: Xi Jinping já encareceu as importações no segundo semestre de 2024 e iniciou processos antidumping – em retaliação às tarifas de proteção da UE contra os carros elétricos chineses. A bebida também não pode mais ser vendida em lojas duty-free no país.

De acordo com a federação setorial francesa BNIC (Bureau National Interprofessionell du Cognac), as vendas para a China caíram pela metade, resultando em uma perda mensal de mais de 50 milhões de euros (R$ 315 milhões). A entidade está apelando ao governo francês para que não se esqueça dos cerca de 70 mil empregos que dependem direta e indiretamente do conhaque.

Videiras plantadas há gerações

Ao longo de sua longa carreira, Reboul ampliou suas terras e plantou videiras. E agora ele deve remover parte delas? Isso foi recomendado pelo BNIC e o sindicato dos viticultores para economizar custos com maquinário, fertilizantes e pesticidas. Reboul não quer arrancar nenhuma videira. “A gente planta por 30 anos, no mínimo.Há gerações!”, diz ele. “E por que deveríamos fazer as mesmas coisas estúpidas que nossos ancestrais?” Ele conta que, durante a crise do petróleo, seu pai mudou para o vinho tinto. E não valeu a pena.

Há alguns anos, o lema era “plantar, plantar, plantar!” A sede por conhaque parecia quase insaciável. Apesar da pandemia e da guerra na Ucrânia, quase 213 milhões de garrafas foram vendidas em todo o mundo em 2022, um ano recorde, de acordo com o BNIC.

A atual queda é o maior choque desde a crise do petróleo. Reboul conhece colegas que arrancaram vários hectares de videiras. Em vez de vinhedos, agora é possível ver plantações de oliveiras ou trufas em alguns lugares. “Isso não mudará minha filosofia!”, garante, acrescentando que, crises, sempre houve.

Política global e mudanças climáticas

As tarifas retaliatórias da China e dos EUA não são o primeiro desafio que a região de Cognac teve que superar. A pandemia, a inflação e a perda do importante mercado russo também fizeram com que as vendas caíssem em alguns momentos.

As mudanças climáticas também pressionam os produtores de vinho. O prolongado período de calor torna as uvas mais açucaradas. No entanto, o conhaque precisa de uma certa acidez. As videiras também estão brotando mais cedo, o que aumenta o risco de perder a colheita devido a granizo, geada tardia ou pragas.

Reboul cultiva a propriedade com a ajuda de membros da família e trabalhadores sazonais. Ele vende toda a produção para a Hennessy. “Adoro meu trabalho!”, diz ele com orgulho. E a oitava geração de produtores já vem por aí.

Muito trabalho manual

Cassandra Allary também administra um negócio familiar com seu irmão: a tanoaria Allary. Com 26 funcionários, a empresa produz barris de carvalho e tonéis de todos os tamanhos para vinhos e destilados. Há cerca de 50 fabricantes de barris entre Cognac e Bordeaux, cujo ofício foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Os barris exigem muito trabalho manual e conhecimento especializado. Primeiro, a madeira de carvalho é seca ao ar livre por muitos meses, para que o vento e a chuva possam realçar melhor os taninos, como explica a jovem chefe da empresa. Depois, as peças são umedecidas, aquecidas, equipadas com bases, tampas e anéis, polidas e rebarbadas.

“O grau de aquecimento determina os sabores que extraímos da madeira”, revela Allary. “Fazemos isso de acordo com os desejos do cliente.” Em fogo baixo, o cheiro é de coco. O aquecimento médio traz uma pitada de baunilha e notas mais fortes de mocha ou cacau. Originalmente, a Allary fornecia apenas barris para empresas de conhaque, mas diversificou seu portfólio na década de 90. Neste ano, a pequena empresa ainda está trabalhando com capacidade total, mas os pedidos estão diminuindo.

Bebida levou prosperidade à região

Quase todos na região produzem ou comercializam vinho, conhaque, barris, copos, garrafas ou rótulos. A cidade de Cognac, que tem 20 mil habitantes e tem o mesmo nome de seu famoso produto, enriqueceu graças à bebida.

O conhaque deve sua existência ao comércio: a destilação torna a bebida mais durável e, portanto, ela podia ser exportada por mar para países distantes. Muitas casas de conhaque foram fundadas por imigrantes, como a Bache Gabrielsen, mas também a Hennessy e a Martell. Hoje, as quatro grandes destilarias de conhaque Hennessy, Rémy Martin, Martell e Courvoisier dominam cerca de 90% do mercado e fazem parte, em sua maioria, de grandes grupos, como LVMH e Pernod-Ricard.

Expectativas distintas

Na entrada da Maison Bache Gabrielsen, é possível ver na parede uma galeria com fotos de gerações de produtores, acima de gavetas cheias de rótulos de garrafas de valor histórico. A casa foi fundada em 1905 e está entre os produtores de conhaque relativamente mais jovens. A Bache Gabrielsen ainda é uma empresa familiar e produz cerca de um milhão de garrafas por ano. Isso não é muito em comparação com as marcas famosas, mas bastente para uma empresa com apenas 23 funcionários.

Produtores como Reboul fornecem o vinho, e fabricantes de conhaque como a Bache Gabrielsen o transformam em uma “eau de vie” (água da vida) de alto teor alcoólico por meio de dupla destilação. Essa “água da vida” tem então que amadurecer por pelo menos dois anos em barris de carvalho e absorver os aromas da madeira. O produto final de cor âmbar é uma mistura de diferentes safras e vinhos.

O mestre de adega Jean-Philippe Bergier é o “nariz” da Bache Gabrielsen. Bergier compõe há 35 anos os produtos da empresa a partir de até 15 destilados de todos os vinhos da região. Variedades que antes eram misturadas apenas em pequenas proporções agora voltaram a ser procuradas porque trazem mais acidez, explica Bergier: “uma reação às mudanças climáticas”.

Ele já viu várias tendências de sabor surgirem e desaparecerem. A Bache Gabrielsen também engarrafou um pequeno lote de conhaque orgânico em garrafas recicladas para testar um novo segmento. Os produtores também estão tentando atingir novos grupos-alvo com coquetéis, licores e aperitivos.

Atualmente, os jovens, em especial, querem saber como um produto é feito. Pode ser que seja consumido menos álcool do que na geração anterior, mas há uma maior valorização da qualidade. E Bergier diz acreditar firmemente no futuro do conhaque, por se tratar de um produto de qualidade.

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