Butantan aguarda há 9 meses aprovação da Anvisa para testar vacina de gripe aviária em humanos


Com vacina que mostrou eficácia em testes pré-clínicos, instituto quer antecipar resposta para possível nova crise de saúde; Anvisa diz que documentação está em análise em ‘caráter prioritário’. Divulgação
Testes clínicos são necessários para comprovação de eficácia da vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan
O Instituto Butantan aguarda desde agosto de 2024 a autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para iniciar uma pesquisa clínica da vacina contra a gripe aviária.
O imunizante monovalente tipo A (contra H5N1), desenvolvido pelo Instituto, mostrou eficácia em testes pré-clínicos, mas precisa evoluir à testagem em humanos.
Butantan antecipa mutação do vírus
Embora a gripe aviária não seja transmitida entre humanos, existe a perspectiva de que novas e mais resistentes cepas se desenvolvam, e pesquisadores alertam para o alto risco de contágio.
Diretor do Instituto Butantan, Esper Kallás diz que a produção da vacina visa antecipar um possível cenário de contágio entre pessoas. “Não é para já comercializar, mas para propor um estoque estratégico caso o Ministério da Saúde precise acionar”, explica, em nota.
Ao g1, a Anvisa afirma que “recebeu o pedido de anuência para o estudo clínico do Instituto Butantan de desenvolvimento de potencial vacina de influenza tipo A (H5N8)”. Segundo a agência, após a análise da documentação inicialmente apresentada, “foi necessária a apresentação de informações complementares pelo Instituto Butantan para prosseguimento da análise”.
Segundo a pasta, “a documentação encontra-se em análise em caráter prioritário”.
Protocolo de estudo clínico aprovado
Com aprovação da Anvisa, o estudo clínico deve funcionar da seguinte forma:
Os participantes receberão duas doses da vacina ou do placebo, com intervalo de 21 dias entre as aplicações.
Apenas 1 em cada 7 voluntários receberá o placebo.
Durante os sete meses seguintes, os participantes serão acompanhados com visitas e exames para avaliar a segurança e a eficácia imunológica do imunizante.
Os testes incluirão triagem inicial com exames bioquímicos, hematológicos e sorológicos, além de análise de imunidade celular da vacina.
Influenza aviária é letal em humanos
A influenza aviária em humanos é altamente letal, beirando os 50% de chance de óbito ao contrair a doença. No entanto, a transmissão acontece apenas ao ter contato com hospedeiros contaminados –aves e mamíferos. Ingerir ovos ou carne de frangos doentes não é um risco.
Ainda segundo Kallás, o Instituto está, ainda, “desenvolvendo uma rota tecnológica” que pode ser trilhada caso o vírus sofra alguma mutação.
O H5N1 já sofreu mutações desde que foi descoberto, em 1996, na China. Antes transmitido apenas entre aves, passou a ter novos hospedeiros, os mamíferos.
Biomédica, pesquisadora e professora da Escola de Saúde da Unisinos, Mellanie Fontes-Dutra enfatiza que manter-se vigilante e acompanhar a evolução dos casos é crucial para evitar uma nova epidemia – e até mesmo uma pandemia.
“Nas últimas décadas, temos observado surtos de gripe aviária de maior magnitude e um aumento na diversidade de hospedeiros. Estudos recentes mostram que pinípedes, como leões e lobos marinhos, têm sido afetados com crescente frequência por essa infecção, com alta mortalidade”, aponta a pesquisadora.
China, Argentina e UE suspendem importações de frango brasileiro após confirmação do primeiro caso de gripe aviária no país
Jornal Nacional/ Reprodução
A corrida pelo mundo
Não é só no Brasil que a ciência busca antecipar uma possível pandemia de gripe aviária. Os Estados Unidos mantêm um estoque de três vacinas contra H5N1 licenciadas, consideradas seguras e eficazes na produção de anticorpos contra a gripe.
Contudo, a professora associada de medicina da Harvard Medical School (HMS), Kathryn Stephenson, ressalta que essas vacinas já não são compatíveis com as cepas atuais do vírus.
Ainda segundo Stephenson, a pesquisa sobre a eficácia dessas vacinas contra as cepas atuais é conflitante, sendo necessária a atualização dos imunizantes.
“A busca por novas tecnologias, como o RNA mensageiro, que se mostrou eficaz nas vacinas contra a covid-19, é vista como um caminho mais rápido para a atualização e fabricação em larga escala”, explica a médica à HMS.
Stephenson também destaca que a capacidade de desenvolver e testar vacinas exige investimento contínuo e de longo prazo na infraestrutura nacional de ensaios clínicos.
Tratamento-padrão
Infectologista e Secretário de Saúde de São Bernardo do Campo, Jean Gorinchteyn afirma ao g1 que o oseltamivir (Tamiflu) permanece a principal recomendação para casos suspeitos ou confirmados de H5N1. A recomendação é a mesma no exterior.
No entanto, a HMS aponta que estudos documentaram uma cepa de H5N1 resistente ao Tamiflu em aves no Canadá. Por isso, Stephenson ressalta a urgência no desenvolvimento de novos antivirais e anticorpos monoclonais.
Situação de risco e incertezas crescentes
A Anvisa, em nota, afirma que segue monitorando os casos de gripe aviária que surgiram no Brasil. Até o momento, nenhuma medida sanitária foi imposta.
Nos Estados Unidos, a vigilância é coordenada pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) em colaboração com laboratórios de saúde pública estaduais e locais.
Ainda a HSM, o professor assistente de medicina da Harvard Medical School e especialista em doenças infecciosas Jacob Lemieux alerta para uma “situação de risco e incerteza crescentes”.
“O aumento da atividade do vírus por mais de um ano, sua disseminação entre animais domésticos e selvagens e o crescente número de casos humanos desde o surto em vacas são muito preocupantes. A natureza leve e comum dos sintomas em pessoas dificulta a identificação, tornando a vigilância nacional, estadual e municipal urgente, intensificada e coordenada entre todos os setores.”
Desafio persistente à saúde global
Desde sua primeira detecção, em 1996, a gripe aviária tem representado um desafio persistente para a saúde pública global.
Com os primeiros casos humanos surgindo logo após, explica o infectologista do Hospital das Clínicas Igor Marinho, o vírus demonstrou uma notável capacidade de diversificação e disseminação por meio de aves migratórias.
Em 2024, após quase mil casos humanos documentados e uma taxa de mortalidade de cerca de 50%, a ciência tem intensificado seus esforços para combater a ameaça em constante evolução.
A chegada do H5N1 à América do Norte em 2014 resultou em um surto avícola significativo, mas o vírus recuou. Em 2022, no entanto, um novo subtipo do H5N1 –o clado 2.3.4.4b– emergiu, espalhando-se rapidamente entre aves domésticas e diversas espécies de mamíferos selvagens.
O avanço mais recente e preocupante é a sua transmissão para vacas leiteiras, cujas implicações ainda estão sendo investigadas.
Autoridades descartam 3 novas suspeitas de gripe aviária, 4 ainda estão sob análise
Adicionar aos favoritos o Link permanente.