Embate entre Moraes e Freire Gomes acirra julgamento do suposto golpe

Embora devessem prevalecer apenas os aspectos jurídicos, é inevitável a polarização de opiniões políticas em um julgamento sobre a possível existência de um golpe de Estado quando o principal acusado é o ex-presidente Jair Bolsonaro. Se não por outros motivos, essa contaminação se deve ao fato de o acusado ser, segundo pesquisas recentes, a maior liderança conservadora do país e o principal nome para vencer as eleições presidenciais de 2026.

Portanto, a reflexão sobre esse tema, embora possa estar impregnada por fatores que, em determinadas circunstâncias, ultrapassam as fronteiras do tribunal, para ser isenta e correta, deve se restringir à letra da Lei. Somente o respeito à Carta Magna permitirá enxergar, sem lentes distorcidas, o que efetivamente precisa e deve ser considerado.

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A Constituição

Antes de se afirmar se o acusado é ou não culpado pelos crimes que lhe são imputados, a premissa que deve ser levada em conta em qualquer análise é a observância do inciso LVII do artigo 5º da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Portanto, independentemente de torcida ou prejulgamento, acima de tudo, a Lei Maior.

O crime imputado aos acusados de terem participado de um suposto golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 deve ser avaliado a partir dos requisitos essenciais para que esse delito possa ser caracterizado. De acordo com os principais juristas do país, os pontos fundamentais, amparados no artigo 359-M do Código Penal brasileiro e na doutrina constitucional, são os seguintes:

1 – Rompimento da ordem constitucional

Para que um golpe seja concretizado, deve haver uma ruptura efetiva da legalidade institucional. Por exemplo: fechamento do Congresso Nacional, cassação arbitrária de ministros ou juízes, suspensão do funcionamento do Supremo Tribunal Federal.

2 – Tomada, ou tentativa de tomada, do poder de forma ilegal

O golpe se configuraria se houvesse uma ação deliberada e efetiva para assumir o controle do governo, removendo, sem respaldo constitucional, o presidente legitimamente eleito ou impedindo a posse do novo governo. Pronunciamentos verbais ou escritos que contestem o resultado eleitoral, sem ações efetivas para assumir o poder ou impedir a posse de quem foi eleito, não podem ser enquadrados como criminosos.

3 – Uso de violência ou grave ameaça

Esse talvez seja um dos requisitos mais relevantes para caracterizar o golpe de Estado: o uso da força ou de ameaças que coloquem em risco a segurança nacional ou a integridade das instituições. Nesse caso, considera-se especialmente a participação das Forças Armadas, milícias, sabotagens, destruição de patrimônio ou intimidação de autoridades.

4 – Atos concretos e viáveis

É necessário que os agentes participem de atos reais e com potencial efetivo para depor o governo ou bloquear sua atuação. Discursos inflamados ou simples intenções golpistas não se enquadram nesse critério. Para que os atos sejam considerados concretos e viáveis, deve haver planejamento, meios disponíveis e possibilidade de sucesso, ainda que o golpe não se concretize.

5 – Dolo específico

A intenção dos participantes deve ser clara e consciente: depor ou impedir o governo legítimo. Se não houver vontade deliberada de romper a ordem democrática, esse requisito não estará presente. Mais uma vez, críticas políticas, protestos ou atos de desobediência civil são considerados parte do jogo democrático. O dolo específico só se configura quando houver evidências materiais, como mensagens, documentos, planos ou ordens diretas.

E vista dessas premissas, o julgamento dos acusados deve se basear exclusivamente nesses requisitos. Se a acusação não conseguir provar, com base na legislação vigente, que houve um golpe ou tentativa de golpe, a sentença deverá ser de absolvição.
Se, ao contrário, a acusação conseguir demonstrar, de forma inequívoca, que os acusados se enquadram nos crimes previstos, deverá haver condenação.

Um depoimento conturbado

O depoimento do general Freire Gomes, por exemplo, aguardado como peça-chave da acusação, afirmou no tribunal que o ex-presidente Bolsonaro jamais pretendeu agir fora dos limites constitucionais, o que pode ser um argumento importante para a defesa.

Na imprensa e nas mídias sociais, o embate entre Moraes e Freire Gomes ganhou contornos de Fla-Flu. Moraes disse: “Ou o senhor falseou a verdade na polícia ou está falseando a verdade aqui.” Em resposta, Gomes enfatizou: “Com 50 anos de Exército, eu jamais mentiria.” Os comentários, entretanto, tomam partido.

As versões convenientes

Os partidários do governo, que desejam ver os acusados presos, interpretam o episódio com a leitura de que o ministro Alexandre de Moraes repreendeu o general, alertando-o para que não mentisse. Já os oposicionistas afirmam que o general Freire Gomes não se calou diante da insinuação do ministro e respondeu com firmeza, amparado em sua trajetória militar.

Outras testemunhas, tanto de acusação quanto de defesa, ainda deverão ser ouvidas, para que a decisão dos ministros seja a mais correta, justa e isenta possível. O que mais se deseja é que a Justiça seja feita.

Seria uma tragédia, e uma mácula na história do país, se inocentes fossem condenados. Assim como não haveria justiça, nem confirmação dos preceitos democráticos, se culpados fossem inocentados.

Que a balança da Justiça, alheia aos nomes na capa do processo, cumpra o que dela se espera: pese com precisão, julgue com justiça. Siga pelo Instagram: @polito

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