No último dia 22 de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso do donanemabe, um medicamento inovador para o tratamento da doença de Alzheimer em estágios iniciais. Considerado um avanço, trata-se de uma terapia imunológica que tem o objetivo de reduzir os depósitos de proteína no cérebro associadas à condição.
A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência – representa cerca de 70% dos casos. No Brasil, o cenário é especialmente preocupante: segundo o Relatório Nacional sobre a Demência (RENADE), divulgado em setembro de 2024 pelo Ministério da Saúde, oito em cada dez pacientes não recebem diagnóstico e, consequentemente, ficam sem tratamento.
O diagnóstico é clínico e tem início a partir da queixa do próprio paciente ou de um familiar próximo, que observa episódios recorrentes de esquecimento e dificuldades de memória. A partir daí, devem ser realizados testes específicos para avaliar as funções cognitivas e o grau de comprometimento da autonomia nas atividades diárias.
Ainda de acordo com o relatório, cerca de 8,5% da população brasileira com 60 anos ou mais têm algum tipo de demência – o que representa cerca de 2,71 milhões de casos. Com o envelhecimento progressivo da população, a perspectiva se torna mais alarmante: estima-se que o número de casos de demência no país quase triplique até 2050. Diante desse cenário, a busca por alternativas que ofereçam benefícios mais substanciais e acessíveis aos pacientes é cada vez mais necessária.
Como age o donanemabe
O Alzheimer se manifesta por uma progressiva deterioração da memória, da linguagem, do comportamento e da capacidade de realizar tarefas do dia a dia. A condição está associada ao acúmulo anormal de duas proteínas no cérebro: tau e beta-amiloide, que provocam a morte dos neurônios e levam ao avanço do quadro neurodegenerativo ao longo dos anos.
O anticorpo monoclonal recém-aprovado pela Anvisa atua diretamente na remoção das placas de beta-amiloide no cérebro. “Diferentemente dos medicamentos inibidores de acetilcolinesterase, como donepezila, rivastigmina e galantamina, que aumentam a disponibilidade de acetilcolina, um neurotransmissor fundamental para memória, cognição e aprendizado, o donanemabe é considerado um avanço na área porque age na raiz do problema, em vez de somente aliviar os sintomas cognitivos”, explica a neurologista Polyana Piza, gerente do programa de Neurologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
Desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly, sediada nos Estados Unidos, o donanemabe será comercializado sob o nome de Kisunla. Estudos demonstraram que, com 76 semanas de uso, ele pode reduzir em até 35% a progressão do Alzheimer em pacientes nos estágios iniciais da doença.
Potenciais riscos
Apesar dos resultados promissores, o donanemabe pode ter seu uso limitado por trazer poucos benefícios para indivíduos com quadros moderados ou graves. Estudos mostram que a remoção das placas amiloides não é suficiente para reverter os quadros de demência já estabelecidos.
Além disso, embora sejam raros, o medicamento apresenta alguns riscos, em especial o aumento de taxas de ARIA (Anormalidades de Imagem Relacionadas à Amiloide), efeito colateral associado a pequenas hemorragias e áreas de inchaço no cérebro e até a morte. Nos ensaios com o medicamento, 1,6% dos participantes que receberam donanemabe apresentou eventos graves de ARIA, com três óbitos.
Casos mais graves de Alzheimer tendem a ser mais frequentes em pessoas que carregam o gene apolipoproteína E ε4 (ApoE ε4). Localizado no cromossomo 19, esse gene é considerado um importante biomarcador de risco genético para a condição. Atualmente, é possível realizar o teste genético do ApoE ε4 somente em laboratórios privados.
Os estudos evidenciam que pessoas sem cópias do gene ApoE ε4 apresentam um risco significativamente menor de efeitos colaterais graves ao usar a medicação, com uma taxa de apenas 0,8% e registro de uma única fatalidade. Justamente por isso, para um paciente ser considerado elegível ao tratamento com esse tipo de fármaco, é necessário passar por uma avaliação criteriosa.
Essa triagem inclui testes genéticos para identificar a presença do ApoE ε4, além de exames de imagem, como o PET amiloide, que confirmam o acúmulo da proteína no cérebro. “O risco de pequenas hemorragias cerebrais também torna o medicamento contraindicado para quem usa anticoagulantes, o que é muito comum em idosos e pode limitar ainda mais a elegibilidade para o donanemabe”, destaca Piza.
Foi exatamente esse risco de efeitos adversos graves, como sangramentos cerebrais e mortes, que levou o Comitê de Medicamentos para Uso Humano (CHMP), da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), a emitir um parecer negativo sobre a autorização do donanemabe na Europa.
Em seu relatório, a agência reconheceu que o medicamento é eficaz na remoção das placas de beta-amiloide, mas avaliou que os benefícios clínicos obtidos até agora são modestos. Diante disso, concluiu que os riscos potenciais à saúde dos pacientes superam as vantagens terapêuticas oferecidas, inviabilizando sua aprovação no território europeu.
A associação Alzheimer Europe lamentou o parecer negativo. Em nota publicada em seu site, cita que o medicamento foi aprovado por outras autoridades regulatórias do mundo, entre elas a Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, e outras no Reino Unido, no Japão e na China (na época, a Anvisa ainda não havia aprovado o medicamento no Brasil).
Alto custo
Outro ponto é que o alto custo do medicamento pode limitar o acesso à droga e dificultar sua viabilidade em larga escala. O donanemabe ainda não foi precificado no Brasil, por isso não está disponível nem na rede privada, nem pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Procurada pela Agência Einstein, a Eli Lilly informou que ainda não existe estimativa de preço no país, mas que “vai trabalhar para garantir a disponibilidade do produto o mais rápido possível.” No momento, diz a empresa, a prioridade é definição de preço pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), vinculada à Anvisa.
Na avaliação de Polyana Piza, o donanemabe representa uma inovação importante no tratamento da doença de Alzheimer, oferecendo uma nova opção terapêutica, apesar da melhora clínica ainda ser modesta. “A aprovação desse medicamento pode estimular a busca por diagnósticos precoces, já que ele é mais eficaz em estágios iniciais da doença, o que é crucial para maximizar os benefícios e retardar a progressão da doença”, diz a neurologista do Einstein.
Esquecimento ou sinal de Alzheimer? Entenda as diferenças
Este conteúdo foi originalmente publicado em Veja os prós e contras do novo medicamento para tratar Alzheimer no site CNN Brasil.