Fome em Gaza: Limites na ajuda humanitária afeta população do território

Horas depois de a padaria Al Haj ter distribuído o último pedaço de pão na quinta-feira (22), Jihad Al Shafie ainda estava à espera, já que a esperança de levar alguma comida para sua família já havia desaparecido.

Como muitos na multidão que estava do lado de fora da padaria no centro de Gaza, Al Shafie chegou na fila de manhã, antecipando o pão sírio recém-assado das primeiras entregas de farinha a entrar no território desde o início de março.

Ele foi forçado a partir de mãos vazias, já que muitos dos carregamentos de alimentos que estavam previstos para chegar permaneciam no sul de Gaza, a cerca de 20 quilómetros de distância.

“Vemos pessoas esperando por pão, mas ninguém o recebe”, disse Al Shafie à CNN. “É vital que os responsáveis ​​entendam nosso sofrimento e ajam para contê-lo”, completou.

Durante uma hora na tarde de quinta-feira (22), a padaria “sofreu invasões sem precedentes”, segundo o proprietário, enquanto uma multidão entrava nas instalações em busca de comida. Através da pequena janela que separava os trabalhadores da multidão, mãos desesperadas entraram, tentando a sorte de conseguir um saco de pão.

O caos desapareceu tão rapidamente quanto o pão, deixando dezenas de pessoas sem nada.

Poucos caminhões de ajuda humanitária em Gaza

Ina’am Al Burdeini caminhou uma hora do campo de refugiados de Al-Maghazi até à padaria, apenas para encontrar uma multidão quando chegou. Ela também saiu de mãos vazias.

“É exaustivo e nos sentimos perdidos e abandonados”, disse Al Burdeini, dirigindo a raiva tanto para dentro como para fora de Gaza. “As pessoas estão desesperadas. É hora de agir, não façam promessas vazias. Hamas, saia!”

Esta semana, Israel começou a permitir a entrada dos primeiros caminhões com alimentos e suprimentos humanitários desde que impôs um bloqueio total de suprimentos a Gaza, no dia 2 de março.

Mais de 300 caminhões de ajuda entraram no território desde segunda-feira (19), de acordo com o Coordenador de Atividades Governamentais nos Territórios de Israel (COGAT), que supervisiona as entregas.

Essa é apenas uma fração da ajuda recebida antes da guerra, quando 500 a 600 caminhões por dia chegavam a Gaza, segundo as Nações Unidas.

Na quinta-feira (22), o COGAT afirmou que “não há escassez de alimentos em Gaza”, apesar de o gabinete do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, ter dito esta semana que Israel iria liberar “uma quantidade básica de alimentos” em Gaza “para evitar uma crise humanitária”.

Agulha no palheiro

“A ajuda que chega agora é uma agulha num palheiro”, disse Philippe Lazzarini, chefe da Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras aos Refugiados da Palestina (UNRWA), nas redes sociais. “Um fluxo de ajuda significativo e ininterrupto é a única forma de evitar que o atual desastre se agrave ainda mais.”

E nem toda a ajuda chega à população palestina, sendo que alguma parte é retida devido a rotas perigosas ou saqueada no caminho para os pontos de distribuição. Nenhum dos caminhões chegou ao norte de Gaza, onde Israel emitiu recentemente vários avisos de evacuação.

Na noite de quinta-feira (22), 30 caminhões de ajuda humanitária no sul e centro de Gaza foram atacados e vandalizados, segundo Nahid Shuheiber, chefe da associação de transportes no território.

Em Deir Al-Balah, gangues armadas abriram fogo contra os caminhões e os saquearam, disse Shuheiber. Quando equipes de segurança locais, apoiadas pelo Hamas, chegaram para proteger o comboio, o Gabinete de Comunicação Social do Governo do Hamas disse que vários ataques israelitas atingiram o local, matando seis pessoas.

A CNN entrou em contato com as Forças de Defesa de Israel (IDF) para comentar.

Insegurança diante do aumento da fome

O Programa Alimentar Mundial (PAM) disse que 15 dos seus caminhões foram saqueados no sul de Gaza quando se dirigiam para padarias apoiadas pela organização da ONU.

“A fome, o desespero e a ansiedade sobre a chegada de mais ajuda alimentar estão contribuindo para o aumento da insegurança”, afirmou o PAM num comunicado nesta sexta-feira (23).

“Precisamos do apoio das autoridades israelitas para levar volumes muito maiores de assistência alimentar a Gaza de forma mais rápida, mais consistente e transportada por rotas mais seguras, como foi feito durante o cessar-fogo”, afirmou o comunicado.

A Rede de ONG palestinianas condenou o saque dos caminhões de ajuda humanitária. “Os camiões, carregados com farinha e destinados a abastecer padarias na Cidade de Gaza e nas províncias do norte, foram saqueados, privando crianças e famílias que já sofrem de fome severa das suas necessidades alimentares básicas”.

Um programa conjunto de ajuda que une EUA e Israel, denominado Fundação Humanitária de Gaza, deverá começar a operar quatro locais de distribuição antes do final do mês. Mas a ONU e outras organizações humanitárias se recusaram a trabalhar com o grupo.

O novo plano foi criticado por altos responsáveis ​​humanitários, que alertaram que é insuficiente, e pode colocar em perigo os civis e até encorajar a sua deslocação forçada.

O chefe de ajuda da ONU, Tom Fletcher, disse na semana passada que não deveria perder tempo num plano alternativo de ajuda a Gaza, escrevendo no X: “Para aqueles que propõem uma modalidade alternativa de distribuição de ajuda, não percamos tempo: já temos um plano”.

Ainda nesta sexta-feira (23), a Associação de Proprietários de Padarias em Gaza anunciou que as padarias se recusariam a funcionar “à luz das circunstâncias difíceis que a Faixa de Gaza enfrenta”, apelando ao PAM para distribuir farinha primeiro às famílias.

O presidente da associação, Abdel Nasser Al-Ajrami, apelou às organizações internacionais para “intervirem urgentemente” junto de Israel para permitir a entrada de “farinha, açúcar, fermento, sal e gasóleo” para que o pão fique disponível para todos.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Fome em Gaza: Limites na ajuda humanitária afeta população do território no site CNN Brasil.

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