Astrônomos observaram, pela primeira vez, duas galáxias envolvidas em um verdadeiro “duelo” no espaço profundo. Usando observações combinadas de telescópios terrestres ao longo de quase quatro anos, os pesquisadores viram essas galáxias distantes se aproximando uma da outra a mais de 1,8 milhão de quilômetros por hora.
Uma delas disparava repetidamente feixes intensos de radiação contra a outra, dispersando nuvens de gás e enfraquecendo a capacidade da oponente de formar novas estrelas.
“É por isso que chamamos de ‘justa cósmica’”, disse Pasquier Noterdaeme, pesquisador do Instituto de Astrofísica de Paris e do Laboratório Franco-Chileno de Astronomia no Chile, que fez parte da equipe responsável pela descoberta.
O que Noterdaeme e seus colegas observaram foi uma imagem distante de duas galáxias em processo de fusão, a 11 bilhões de anos-luz da Terra. Os achados, descritos em um estudo publicado nesta quarta-feira (21) na revista Nature, oferecem um raro vislumbre de um período antigo do universo, quando fusões de galáxias e a formação de estrelas eram mais comuns.
Aproximação cósmica
Trabalhando com o Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul e o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (Alma), ambos no Chile, os pesquisadores descobriram que a radiação intensa da galáxia “atacante” vem de seu núcleo brilhante — um quasar — alimentado por um buraco negro supermassivo.
Segundo a Nasa, a intensa gravidade do buraco negro atrai matéria de forma tão energética que poeira e gás aquecem a milhões de graus e se tornam luminosos. Esses materiais giram em torno da região antes de serem engolidos, formando um “disco de acreção”, de onde saem jatos de matéria energética em direção ao espaço.
Cada explosão de ondas ultravioletas desse quasar é cerca de mil vezes mais forte que a radiação da Via Láctea, o que faz com que moléculas de hidrogênio nas regiões de formação estelar da galáxia “vítima” se separem e se dispersem, segundo o estudo.
Estrelas se formam quando grandes aglomerados de gás e poeira atingem massa crítica e colapsam sob sua própria gravidade. No entanto, após serem dispersas pela radiação, essas nuvens não eram mais densas ou grandes o suficiente para criar novas estrelas.
À medida que mais material da galáxia “vítima” se aproxima do buraco negro, ele alimenta ainda mais o quasar. Sabe-se que os quasares podem “se desligar” de tempos em tempos, explicou Sergei Balashev, coautor do estudo e pesquisador do Instituto Ioffe, na Rússia — o que pode permitir que as nuvens moleculares se reformem.
“É realmente a primeira vez que conseguimos ver o efeito da radiação de um quasar sobre o gás molecular de uma galáxia próxima”, disse Balashev. Até agora, esse efeito era apenas teorizado, sem confirmação por observação direta.
Inicialmente, os cientistas queriam observar esse quasar em particular por suas características únicas entre milhares de espectros de baixa resolução — algo como uma impressão digital de objetos celestes distantes, que revela pistas sobre sua composição, temperatura e atividade.
“É como encontrar uma agulha no palheiro”, disse Balashev. No entanto, segundo Noterdaeme, a luz dos quasares é tão intensa que frequentemente ofusca suas próprias galáxias hospedeiras, dificultando a observação de galáxias vizinhas.
Segundo a Nasa, quasares tão dinâmicos e luminosos são raros. Apenas cerca de mil deles são conhecidos no universo primitivo, disse anteriormente Anniek Gloudemans, pesquisadora do NOIRLab, à CNN.
“A princípio, sabíamos apenas que havia gás molecular entre o quasar da galáxia ‘atacante’ e nós. Só depois, com telescópios maiores, detectamos que havia, de fato, duas galáxias”, disse Noterdaeme.
Enquanto a dupla parecia sobreposta nos espectros de baixa resolução, imagens de alta resolução do Alma revelaram que as galáxias estão separadas por milhares de anos-luz. Usando o VLT, os pesquisadores estudaram a densidade e a distância do gás afetado pela radiação do quasar.
Como a luz dessas galáxias vem de bilhões de anos atrás, no início do universo, é possível que elas já tenham se fundido — mas não há como ter certeza, disse Balashev.
Um sopro do passado
Cientistas acreditam que quasares e fusões galácticas eram muito mais comuns nos primeiros tempos do universo, segundo Dong-Woo Kim, astrofísico do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica, que não participou da pesquisa.
Galáxias se fundem quando são puxadas uma em direção à outra pela gravidade — algo mais frequente quando o universo era mais compacto. Com o tempo, ele se expandiu e muitas galáxias se uniram em outras maiores.
Segundo Noterdaeme, há 10 bilhões de anos o universo passava por um período interessante, que os astrônomos chamam de “meio-dia cósmico”, quando as estrelas se formavam em ritmo acelerado.
Apesar de menos comuns hoje, as fusões de galáxias continuam acontecendo o tempo todo. Inclusive, a Via Láctea deverá se fundir com a galáxia de Andrômeda em alguns bilhões de anos. Mas a equipe de pesquisa ainda não sabe se o fenômeno da “justa cósmica” é algo típico em colisões galácticas.
“É um campo empolgante de estudo”, disse Kim. “Pesquisas como essa podem nos ensinar mais sobre o nascimento de novas galáxias e como elas evoluem com o tempo.”
Relembre: Telescópio Hubble da Nasa captura nova foto da galáxia
Hubble encontra galáxia com número surpreendente de anéis; veja
Este conteúdo foi originalmente publicado em Astrônomos registram pela 1ª vez galáxias “duelando” no espaço; veja no site CNN Brasil.