O que Maduro pode fazer agora com poder ganho após vitória nas eleições

O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela anunciou ampla vitória do governo nas eleições regionais e parlamentares de domingo passado no país. Mas qual o futuro de Maduro e da oposição frente a este resultado? Não se esperava que houvesse surpresas nas eleições regionais e parlamentares de domingo (25/05), na Venezuela. Mas, no delicado jogo político do país, cada ocasião apresenta novos matizes.
Entre os fatos habituais, fica a decisão do governo de adiantar as eleições (que eram esperadas para dezembro), além do velho dilema da oposição, se deve se abster ou participar para “não ceder espaço”.
Entre as novidades, existe a marca quase indelével das eleições presidenciais de 28 de julho do ano passado. Naquele pleito, a oposição, liderada por Edmundo González e María Corina Machado, apresentou as atas eleitorais e reivindicou a vitória com 70% de vantagem sobre Nicolás Maduro.
Paralelamente, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, próximo do chavismo, anunciou Maduro como vencedor e o nomeou presidente, sem mostrar até hoje os detalhes das mesmas atas de apuração.
Outro fato novo é que, pela primeira vez, ignorando as recomendações do Tribunal Internacional de Justiça, foram eleitos o governador e deputados da região chamada pelo madurismo de Guiana Essequiba. Trata-se da zona de Essequibo, em disputa com a República da Guiana e reivindicada pela Venezuela há mais de 180 anos.
O que não foi novidade foram os alertas do madurismo sobre supostos planos de “sabotar as eleições”. Esta acusação ocorreu nos dias anteriores a detenções massivas verificadas no país.
Cerca de 70 pessoas foram presas, incluindo o dirigente Juan Pablo Guanipa (aliado próximo de María Corina Machado) e o professor e jornalista Carlos Marcano. Ainda não se sabe qual é o local de reclusão de diversas destas pessoas.
O CNE declarou que 42,63% do eleitorado venezuelano participou das eleições de 25 de maio. Este índice representa pouco mais de nove milhões de pessoas.
Mas há setores da oposição de garantem que a participação foi muito menor. E a imprensa destacou que havia locais de votação com “mais funcionários da Guarda Nacional Bolivariana que eleitores”, como noticiou o portal Efecto Cocuyo.
O especialista venezuelano em política e eleições Eugenio Martínez afirma que os dados do CNE são “inconsistentes”.
Segundo ele, como o registro oficial inclui 21.485.669 eleitores e foram totalizados cerca de cinco milhões e meio de votos, “a participação deveria ser de 25,63% e não de 42%, a menos que o CNE tenha recalculado o registro para 13 milhões, devido à migração”.
Dos 24 governadores estaduais eleitos, 23 são alinhados a Maduro.
Foram também eleitos os deputados da Assembleia Nacional. Também neste caso, segundo os resultados publicados pelo CNE, a aliança governista PSUV-Grande Polo Patriótico obteve 4.553.484 votos (82,68%).
Já as alianças de oposição que se apresentaram ao pleito – a Aliança Democrática e o UNT-Única – obtiveram 6,25% e 2,57% dos votos, respectivamente. Por isso, tanto a Assembleia quanto os governos estaduais ficaram nas mãos do chavismo.
Mas o panorama do país sofre alguma mudança com este resultado? Ocorre alguma alteração no poder de Nicolás Maduro? E como fica a oposição venezuelana?
A BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) conversou com especialistas para responder a estas perguntas.
‘Acalmar internamente, para se legitimar no exterior’
“A primeira coisa que é preciso entender é que esta situação, embora tenha cores similares às de outras vezes, é diferente”, segundo a analista política Carmen Beatriz Fernández.
Para ela, “o dia 29 de julho [de 2024], após as eleições presidenciais, é um divisor de águas na Venezuela. Sempre houve condições eleitorais questionáveis, mas elas eram mais favoráveis para frear o poder: voto que entrava era voto que se contava.”
Fernández explica que, agora, pode ser que existam muitos processos de votação, mas “não há probabilidade de eleições”.
“O próprio árbitro [o CNE] se encarregou de deixar explícito… eles nem mesmo fizeram uma página com este último cronograma eleitoral e eliminaram o código QR das atas, o que era fundamental para as auditorias.”
Por isso, Fernández acredita que este seja um jogo diferente – que, a seu ver, oferece mais controle a Nicolás Maduro.
“Isso permite que ele tenha o controle do parlamento e altere a Constituição na medida das suas ambições totalitárias”, prossegue ela.
“Eles podem fazer através de uma Constituinte, mas avaliaram seus riscos e, com maioria na Assembleia Nacional, podem fazê-lo artigo por artigo.”
“Maduro já adiantou que queria apresentar uma proposta de reforma constitucional e eleitoral”, prossegue Fernández.
De fato, Nicolás Maduro afirmou no domingo (25/05) que está elaborando uma “reengenharia completa” do sistema eleitoral venezuelano, para “aperfeiçoá-lo”.
Já para o analista eleitoral Eugenio Martínez, a maioria no parlamento não é a medida para analisar o poder de Maduro.
“Os deputados do PSUV não tiveram nenhuma influência na dinâmica do país, não existe vida parlamentar”, destaca ele. “Ela foi perdida desde 2015.”
Martínez faz referência às eleições daquele ano, em que a oposição, unida e decidida a votar, conquistou a maioria da Assembleia Nacional. Mas, pouco tempo depois, o madurismo retirou o poder do parlamento, criando sobre ele a Assembleia Nacional Constituinte.
Ainda assim, no seu entender, a oposição ganhou alguns espaços, o que pode ser relevante nos próximos meses.
“Poderíamos ver isso como um sinal”, afirma ele. “Oferecer espaço para alguns participantes, pensando em aproximações e acordos de governabilidade com estes setores.”
“Se eles derem espaços a determinados nomes da oposição, eles poderiam usar estes espaços para discussões futuras”, segundo Martínez.
Dentre os oposicionistas que lideravam as listas de votação, já se sabe que foram eleitos para a Assembleia Nacional os candidatos Henrique Capriles (que se candidatou à presidência por duas vezes, em 2012 e 2013) e Stalin González, que foi representante da Plataforma Unitária (oposicionista) para as negociações entre o governo e a oposição.
Mas o analista acredita que estes resultados não terão tanta influência no contexto internacional, pois os dois deputados oposicionistas não têm trânsito com o governo americano de Donald Trump, “onde a única interlocutora possível é María Corina Machado”.
Por outro lado, para a cientista política Ana Milagros Parra, o centro da questão não é acumular mais ou menos poder, mas sim criar, com este evento, “uma fachada eleitoral”.
A intenção seria virar a página das eleições de 28 de julho do ano passado, “embora as pessoas nas ruas não tenham esquecido, pois o regime chavista recrudesceu com a abrupta onda de perseguições, violações de direitos humanos e falta de respeito com a vida”, destaca ela. “E, agora, existem muitas pessoas detidas e medo nas ruas.”
Para ela, a grande questão é que, “depois de conseguir se estabilizar, entre aspas, de uma forma pouco feliz, como um regime com as suas características pode mover as peças para não derrubar seu castelo de cartas.”
“Com este panorama, não se trata de acumular mais poder do que já tem, mas de prolongá-lo por mais tempo e continuar definindo o tabuleiro político”, segundo Parra.
Na sua opinião, o pleito deste 25 de maio serviu para “repartir cargos, [em um evento] em que o governo elegeu seus candidatos e os ‘adversários’, e, assim, controlar o tabuleiro”.
Mas a eleição também serve “para conseguir certa legitimidade fora do país e acalmar as águas internamente, o que não acredito que irá servir a eles a longo prazo”.
Oposição ‘sob medida’
Na Venezuela, existem políticos de oposição cassados, no exílio, presos ou na clandestinidade.
Além disso, “dos 36 partidos que participaram destas eleições, pelo menos a metade sofreu intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, para alterar seus responsáveis, e 40% foram criados nos últimos anos”, segundo Eugenio Martínez.
Dentre os partidos tradicionais venezuelanos da última década, apenas permanecem intactos o PSUV (o partido do governo) e o UNT (Um Novo Tempo), com forte influência na região de Zulia, no noroeste do país.
Partidos opositores de peso e alcance nacional sofreram intervenção, como o Vontade Popular, Primeiro Justiça, Ação Democrática e o Copei.
“Após 2015, o ecossistema de partidos foi paulatinamente desmantelado, para criar um novo ecossistema”, afirma Martínez, “para que haja cada vez menos partidos que busquem alternância no poder executivo”.
Carmen Beatriz Fernández destaca que, nestas eleições, “as vozes majoritárias da liderança de María Corina Machado disseram claramente que não se devia votar”.
O argumento é que “já se votou em 28 de julho” e que as eleições regionais e parlamentares “não alteram o profundo mal-estar e a vocação democrática existente no país”, segundo Fernández.
Por outro lado, os que se convocaram o voto nas eleições de domingo defenderam que este era um passo necessário para “não perder espaço”.
“As pessoas apoiaram María Corina em 93%, nas eleições primárias de 2023”, destaca Fernández. “Mas os que chamaram à participação neste 25 de maio acreditam que a interpretação que Machado detém sobre o momento está equivocada.”
Para ele, após este novo chamado às urnas, “a oposição fica muito debilitada do ponto de vista institucional, em um sistema político cooptado pelo governo”.
Por outro lado, ele prevê que, para Machado, será muito difícil manter a estratégia narrativa de que os baixos números de participação no domingo passado significam apoio à sua posição a favor da abstenção.
“Como você pode considerar a abstenção política uma vitória, se, agora, você tem o mapa inteiro pintado de vermelho?”, questiona Fernández.
Parra pensa de forma similar. Para ela, “Machado pode não perder legitimidade como líder da oposição, mas isso também não faz com que ela ganhe”.
“Não há alternativa a estas eleições, não há pressão nem estratégia. O dia 10 de janeiro [quando Maduro foi juramentado como presidente] já passou e não irá retornar.”
“As pessoas estão à espera da sua estratégia e não acredito que ela tenha alguma. É triste, mas compreensível neste contexto”, segundo Parra.
Passados 10 meses desde a eleição presidencial de 28 de julho, as mudanças ocorridas no cenário internacional também não parecem favorecer a oposição venezuelana. Países que, antes, eram seus aliados têm agora outros interesses, como é o caso dos Estados Unidos.
Eugenio Martínez é da opinião de que a alta abstenção “faz María Corina ganhar, pelo menos no curto prazo, mas seria preciso observar se sua estratégia de ‘colapso do regime’ traz algum benefício”. Mas ele também destaca que estas eleições “certificam e oficializam a divisão da oposição”.
Para ele, apesar das alterações ocorridas no poder, “nenhum setor da oposição atualizou seu roteiro em função destas mudanças”.
“A estrutura de organização da oposição, a Plataforma Unitária, já não tem razão de ser, em vista das divisões”, defende Martínez. “É necessária uma nova estrutura para resolver conflitos e tomar decisões.”
Embora aparentemente nada se modifique, sempre há mudanças na Venezuela.
Como diz Eugenio Martínez, “os pixels, pouco a pouco, estão mudando, mesmo que a foto como um todo aparentemente permaneça igual”.
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