O Ministério da Justiça planeja enviar ao Congresso Nacional em junho um pacote com medidas para coibir a atividade de facções criminosas e outras organizações criminosas com atuação no país, com ou sem ramificações no exterior. O pacote foi batizado Lei Antimáfia.
A coluna obteve acesso exclusivo à proposta, que sugere mudanças em 12 leis em vigor para sufocar a atuação desses grupos na sociedade, na economia, em empresas privadas e no poder público. O pacote tenta estancar também a influência das organização criminosas no processo eleitoral e no meio ambiente.
O texto foi finalizado por um grupo de trabalho do Ministério da Justiça e ainda não passou pelo crivo do ministro Ricardo Lewandowski. Depois que ele assinar a proposta, deve encaminhar para tramitação no Congresso Nacional. A expectativa do governo é que o pacote seja aprovado ainda neste ano.
Entre as medidas, está o aumento da pena para líderes de organizações criminosas condenados judicialmente. Os integrantes do grupo que não exercerem posição de liderança seriam submetidos a penas inferiores. O governo também quer aplicar punições mais severas a quem financia ou promove esses grupos.
O pacote ainda prevê o cumprimento da pena de forma mais rígida a membros de organizações criminosas, bem como o sequestro e do perdimento de bens ligados à atividade da organização ou adquiridos a partir de crimes cometidos pelo grupo.
As mudanças sugeridas atingem, entre outras, a Lei das Organizações Criminais, o Código Penal, o Código de Processo Penal, o Código Eleitoral, a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei de Execução, a Lei dos Crimes Ambientais e a Lei de Lavagem de dinheiro.
Veja abaixo as principais mudanças sugeridas pelo governo federal
DEFINIÇÃO DO CRIME
COMO É HOJE — A legislação considera organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter vantagem mediante a prática de infrações penais com pena superior a quatro anos.
PROPOSTA DO GOVERNO — Diminui para três o número de pessoas e retira do texto a pena mínima das infrações. Ou seja, a proposta amplia a possibilidade de um grupo com o objetivo de realizar ilícitos ser classificado como organização criminosa.
PENA DURA
COMO É HOJE — O crime de promover, financiar ou integrar organização criminosa pode levar a pena de três a oito anos de reclusão, mais pagamento de multa.
PROPOSTA DO GOVERNO — A prática poderá ser punida com cinco a dez anos de reclusão, mais pagamento de multa.
AÇÃO JUDICIAL SOBRE BENS
O projeto cria a ação civil autônoma de pedimento de bens, uma ação judicial específica para extinguir os direitos de posse e propriedade dos bens e valores que sejam produto ou proveito de atividade ilícita. Em caso de condenação, os bens adquiridos por atividade de organização criminosa, ou usados por ela, serão transferidos para o poder público.
O projeto prevê outros crimes que podem ensejar a ação de pedimento de bens: tráfico de drogas, tráfico de armas, extorsão mediante sequestro, tráfico internacional de pessoa com fins de exploração sexual, peculato, inserção de dados falsos em sistema de informações, corrupção passiva e ativa, expliralçai de prestigio, tráfico internacional de arma de fogo e lavagem de dinheiro.
BENS TRANSFERIDOS
O governo quer mudar a lei que disciplina o sequestro de bens de pessoas indiciadas por crimes de que resulta prejuízo para a Fazenda Pública. Pelo projeto, o sequestro de bens pode abranger bens transferidos a terceiros sempre que houver indícios concretos de que a transferência foi feita para evitar a perda patrimonial em processos criminais.
FOCO NOS LÍDERES
A proposta do governo prevê redução de penas até a metade se o agente for primário, se tiver bons antecedentes ou, ainda, se não exercer função de liderança na organização criminosa.
SEGURANÇA MÁXIMA
COMO É HOJE — Liderança de organização criminosa armada deve iniciar o cumprimento da pena em estabelecimento de segurança máxima.
PROPOSTA DO GOVERNO — A regra vale também não apenas para os líderes, mas para integrantes e financiadores de organizações criminosas. Essas pessoas, assim como os líderes, ficariam presas em regime fechado.
CUMPRIMENTO DA PENA
COMO É HOJE
Integrante de organização criminosa não pode progredir de regime ou obter livramento condicional se mantiver vínculo associativo com o grupo.
PROPOSTA DO GOVERNO
A regra valeria não apenas para integrantes da organização, mas também para os financiadores dela.
VISITAS A PRESOS
O governo quer que visitas a membros de organizações criminosas sejam monitoradas por gravação de áudio e vídeo, com autorização judicial. Também impede o contato físico com visitantes, seria preciso conversar por meio de divisórias de vidro e interfone. Em caso de situação de grave risco à ordem pública, presos que exerçam liderança em organizações criminosas devem ficar em isolamento.
PRISÃO TEMPORÁRIA
COMO É HOJE
A regra é o juiz decretar prisão temporária em casos específicos – por exemplo, quando ela for imprescindível para as investigações, ou quando o investigado não tiver residência fixa.
PROPOSTA DO GOVERNO
O juiz pode decretar a prisão temporária para crimes cometidos por organização criminosa.
INTERFERÊNCIA NA POLÍTICA
COMO É HOJE
As penas podem ser aumentadas em até a metade do tempo de reclusão se a organização criminosa usar arma de fogo.
PROPOSTA DO GOVERNO
A pena pode variar de 12 a 20 anos de reclusão quando integrantes de organização criminosa usarem “força intimidadora” para exercer “influência indevida sobre a sociedade, a economia ou a política”, com infrações que possam gerar lucros indevidos, interferência na gestão, em atividades econômicas ou políticas, concessões, autorizações, contratos e serviços públicos. O aumento da pena também ocorreria em caso de impedimento ou embaraço ao processo eleitoral para obter benefício próprio ou de outra pessoa; uso de estratégia de domínio territorial para garantir o controle sobre áreas específicas ou atividades; corrupção de agentes públicos, obstrução da justiça ou embaraço de investigações.
INFILTRAÇÃO NO PODER PÚBLICO
COMO É HOJE -A pena aumenta de um sexto a dois terços se houver participação de criança ou adolescente na organização criminosa, se funcionário publico se valer da organização, se o produto da infração penal for enviado ao exterior, se houver conexão entre a organização criminosa e outras organizações criminosas e se a organização for transnacional.
PROPOSTA DO GOVERNO -A pena aumentaria da metade a dois terços pelos mesmos motivos, com o acréscimo de outros: uso de arma de fogo proporcionalmente ao calibre da arma e à quantidade de armamento usado ou apreendido, se a organização criminosa estiver infiltrada no setor público, se houver prática de incêndio, explosão ou ataque a prédios ou bens públicos, ou se for feita apreensão de quantidade significativa de drogas.
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
COMO É HOJE — Se for condenado por crime previsto na Lei das Organizações criminosas, o funcionário público perde o cargo, a função ou o mandato, além de ficar impedido de exercer função e cargo público por oito anos anos após cumprimento da pena.
PROPOSTA DO GOVERNO —O funcionário público ficaria impedido também de exercer emprego público e mandato em caso de condenação pelos mesmos crimes.
INVESTIGAÇÃO
– Pelo projeto, as autoridades poderão ter acesso aos registros de localização de pessoas por meio de dados georreferenciadas.
– Os bens apreendidos com a organização poderão ser usados pelas polícias judiciária, militar e rodoviária. Os bens também poderão ter destinação social.
– Caberá ao investigado provar a origem lícita dos bens.
EMPRESAS
– A proposta diz que, se houver indícios de que uma empresa esteja sendo usada para prática de crimes por organização criminosa, o juiz poderá determinar a intervenção judicial na administração da empresa, com nomeação de gestor externo. O gestor deverá apresentar ao juiz relatórios periódicos sobre a situação financeira e operacional da empresa.
– Se a empresa tiver ligação com organização criminosa, o juiz pode cancelar ou suspender todos os contratos com entes públicos. A empresa também poderá ser impedida de participar de licitação pública pelo período mínimo de 10 anos e ficará sujeita à cassação do alvará.
MEDIDAS CAUTELARES
COMO É HOJE — Segundo o artigo 319 do Código de Processo Penal, o juiz pode substituir a prisão por medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e o comparecimento periódico em juízo.
PROPOSTA DO GOVERNO — Investigados por crimes previstos na Lei de Organizações Criminosas que respondem por fatos graves não teriam direito ao benefício.
COMPARTILHAMENTO DE DADOS
COMO É HOJE — O delegado de polícia e o Ministério Público podem ter acesso, mesmo sem autorização judicial, aos dados cadastrais básicos do investigados.
PROPOSTA DO GOVERNO
– Amplia os dados que podem ser acessados sem autorização judicial, como endereço de entregas de mercadorias, geolocalização, contas bancárias, chave pix, dados empregatícios, endereço de protocolo de internet (IP), endereços eletrônicos e dados de redes sociais.
– O Ministério Público poderá pedir a quebra do sigilo telefônico, telemático, bancário e fiscal de investigados foragidos ou de pessoas vinculadas a ele apenas para descobrir a localização ou monitorar atividades, desde que a medida seja devidamente justificada.
– As polícias e o Ministério Público poderão pedir aos provedores de internet, operadores de telefonia ou empresas de tecnologia acesso a dados de geolocalização e registros de conexão dos últimos sete dias, sem autorização judicial, se ficar comprovado perigo à vida ou integridade física de pessoas.
TELEFONE
COMO É HOJE — As concessionárias de telefonia fixa ou móvel têm a obrigação de manter por cinco anos à disposição das autoridades registro de identificação dos números dos terminais de origem e destino de ligações telefônicas.
PROPOSTA DO GOVERNO —As empresas terão de guardar também os registros de conexão com a internet e a geolocalização de dispositivos usados por clientes.
CARTÃO DE CRÉDITO
Pela proposta do governo, empresas de cartão de crédito e plataformas de pagamentos devem compartilhar com o Ministério Público e as polícias acessos aos registros de compras e pagamentos feitos em 180 dias para instruir investigações criminais.
PROTEÇÃO A VÍTIMAS
O pacote traz medidas de proteção especial a vítimas e testemunhas de organizações criminosas e medidas de assistência a vítimas dessas grupos. Em situação de extrema necessidade, havendo autorização de governo estrangeiro, o presidente da República poderia autorizar a permanência no exterior, sob proteção consular e policial, de juiz ou membro do Ministério Público sob grave risco, assim como os familiares deles.
CRIMES ELEITORAIS E OUTROS
O pacote do governo prevê a aplicação do dobro da pena para crimes cometidos no contexto de atuação se organização criminosa. A regra vale para crimes previstos na Lei Eleitoral, na Lei dos Crimes Ambientes, a Lei de Lavagem de Dinheiro e na Lei Anticorrupção.
ARQUIVO COM CRIMINOSOS
A proposta prevê a criação, no Ministério da Justiça, do Banco Nacional de Organizações Criminosas e de Integrantes de Facções e da Agência Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas, que serão regulamentadas por decreto posterior.