PlatôBR: Por que interessa ao Congresso avançar com a ideia do semipresidencialismo

Ao citar o termo parlamentarismo em seu discurso de posse, o novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), agradou deputados com seu compromisso de fortalecer as prerrogativas do Congresso. Motta buscou inspiração em Ulysses Guimarães e na Constituição de 1988, mas não chegou ao ponto de defender uma mudança no sistema de governo.

O deputado paraibano disse que o Parlamento, com a nova Carta, se investiu das competências dos parlamentos contemporâneos para se contrapor ao “presidencialismo absoluto”, seguindo o pensamento de Ulysses.

O discurso, porém, serviu para animar uma turma que, vez ou outra, traz à tona a discussão sobre mudar o regime no Brasil, assunto que foi objeto do plebiscito em 1993, quando o presidencialismo foi confirmado por 55,41% dos eleitores (o parlamentarismo obteve 24,79% dos votos, 4,82% votaram em branco e 14,67% anularam o voto).

Impulsionados pela fala de Motta, os deputados federais Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR) e Lafayete Andrada (Republicanos-MG) apresentaram já na primeira semana de trabalho do Congresso neste ano uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para que o país passe a adotar o semipresidencialismo.

A proposta, que na semana passada já contava com a assinatura de quase 200 parlamentares, estabelece ainda o voto distrital misto no Brasil a partir das eleições de 2030. O texto resgata uma PEC antiga, de 1995, do ex-deputado Eduardo Jorge (SP).

Voto popular
Tecnicamente, o semipresidencialismo guarda algumas diferenças em relação ao parlamentarismo. A principal delas é na forma de se escolher o presidente da República. No caso do parlamentarismo puro – aquele que derivou da contestação dos regimes absolutistas e compôs as monarquias constitucionais da Europa no século XIX -, o chefe de de governo é escolhido de forma indireta, pelo Congresso.

O semipresidencialismo prevê voto popular direto para presidente da República. Só que tem um detalhe: o presidente, nesse caso, divide o poder com um primeiro-ministro nomeado por ele. Para essa escolha, porém, tem de ouvir os partidos com maior representação na Câmara. O primeiro-ministro é pinçado entre os integrantes do Congresso maiores de 35 anos.

No desenho institucional, o presidente da República segue como chefe de Estado e comandante supremo das Forças, com as funções de garantir a unidade e a independência da República, a defesa nacional e o livre exercício das instituições democráticas. Já o primeiro-ministro, juntamente com o conselho de ministros de Estado, chefia o governo. Cabe a ele a elaboração de uma proposta que é apresentada ao presidente com o programa de trabalho, que, se aprovado, é depois submetido à Câmara dos Deputados.

O primeiro-ministro tem a obrigação de comparecer mensalmente ao Congresso para explicar a execução do programa ou expor outros assuntos de relevância para o país. Sua atuação se sustenta no apoio da Câmara dos Deputados. O primeiro-ministro e o conselho de ministros devem se demitir quando não tiverem mais essa sustentação. Caso isso não aconteça, a Câmara pode decidir pela destituição, por meio do voto de censura.

Rejeição à PEC
O PT rejeita a PEC com o argumento de que o Congresso não tem autoridade para mudar algo que já foi decidido por meio da democracia direta, ou seja, pelo plebiscito de 1993. Nenhum parlamentar do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou a proposta. No argumento do PT, a rejeição ao parlamentarismo na época também significou uma vitória do presidencialismo e isso precisa ser respeitado.

“É golpe!”, reagiu, em conversa com o PlatôBR, o ex-deputado José Genoíno (PT-SP) que, à época da Constituinte e depois, no plebiscito, integrava um grupo no PT favorável ao parlamentarismo. “Propor isso é um escárnio. O único meio democrático para se defender essa questão é alguém propor um novo plebiscito. O Parlamento não tem autoridade política para discutir uma questão plebiscitada. É nesse ponto que está o golpe”, disse. “O único caminho democrático é alguém apresentar um projeto de resolução para consultar o povo”, emendou.

Genoíno enxerga um movimento internacional de forças da direita com o objetivo de reduzir o poder dos governos eleitos. “Essa tentativa de mudança para o semipresidencialismo é um golpe que está se fundamentando na ideia de diminuir a força do presidencialismo, não só no Brasil, mas na América Latina”, prosseguiu. No plebiscito, embora apoiasse inicialmente o parlamentarismo, Genoino acabou mudou de ideia.

“Eu faço aqui a minha autocrítica porque acho que minha posição estava equivocada. Cheguei a fazer atos públicos pelo parlamentarismo, mas cheguei à conclusão de que o parlamentarismo, nas condições da América Latina, é o caminho para fortalecer o poder da direita. A única oportunidade que o povo tem de eleição de fazer grandes mudanças é quando elege o presidente da República e com ele, o programa de governo”, argumenta.

Lula “biruta”
À época, Lula chefiava o PT e, no início, também defendia o parlamentarismo. Só que o partido decidiu fechar questão na defesa do presidencialismo, confiante em sua candidatura na eleição presidencial de 1994. O hoje presidente mudou de lado e acabou sendo chamado de “biruta” pelo presidente do PDT, Leonel Brizola, que já sabia que ele seria seu adversário. O PSDB, por sua vez, fechou questão em torno do parlamentarismo.

Hoje, mesmo defendendo a necessidade de um plebiscito, o PT não deve, pelo menos por enquanto, apresentar um projeto exigindo a consulta popular. Não é de interesse do partido que essa discussão cresça no Congresso. Na sexta-feira, 7, lideranças do partido elogiaram a postura de Hugo Motta de não acelerar a tramitação da proposta, mas se mostravam apreensivas por ele ter dito que essa é uma discussão necessária.

A quem interessa?
Mas a quem, afinal, poderia interessar uma mudança no sistema político 38 anos após o início dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte? Lula já se colocou contrário à proposta. Esse foi o mesmo posicionamento de Jair Bolsonaro. Parte do PL do ex-presidente, por sinal, se recusou a assinar a proposta, seguindo os passos da bancada do PT. Na prática, hoje a proposta tem a adesão maciça de deputados do Centrão, principalmente. Mas não para por aí.

A proposta tem outros apoios de peso que chamam a atenção. Ministros do Supremo Tribunal Federal são simpáticos à ideia. O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, é um entusiasta do semipresidencialismo há anos e se junta ao decano do STF, Gilmar Mendes, nessa defesa. Em 2023, os dois prestigiaram o lançamento, na Biblioteca do STF, do livro “Semipresidencialismo no Brasil”, de João Victor Prasser, funcionário do Tribunal de Contas da União, ligado ao presidente da Corte de contas, Bruno Dantas. O prefácio da publicação foi assinado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB-SP) e a apresentação, por Barroso.

Mais poder no Congresso
Para o cientista político Christian Lynch, há motivações diversas para que a proposta avance – tanto no Congresso quanto fora dele, caso o tema chegue aos tribunais. O Parlamento prefere o sistema semipresidencial pela oportunidade de se tornar um poder ainda mais forte. Já no Judiciário, o apoio se justifica pelo anseio por estabilidade política, na opinião de Lynch: em um sistema com o poder do presidente mais diluído, avalia, ofensivas contra o Judiciário, como ocorreu no governo de Jair Bolsonaro, por exemplo, não teriam muito efeito.

“Barroso é semipresidencialista desde sempre, e Gilmar é um admirador do sistema português (semipresidencialista). Com Bolsonaro, houve um ambiente de muita crítica contra o Supremo Tribunal Federal. A Corte ficou sujeita a um populista. Em um sistema parlamentarista, isso não seria tão fácil de ocorrer”, exemplificou o cientista político.

Quanto aos meios de se fazer a mudança do sistema, em 2018 o STF acabou deixando de julgar um mandado de segurança impetrado por um grupo de deputados federais para questionar a decisão da própria Câmara de manter a tramitação da PEC de 1995 que tratava da instituição do parlamentarismo no país –  é esse, exatamente, o texto resgatado agora por Hauly e Andrada.

À época, quase todos os deputados que assinavam o pedido haviam perdido seus mandatos, à exceção de Arlindo Chinaglia Júnior (PT-SP), que desistiu da ação. O relator da ação era o ministro Alexandre de Moraes. Ele acabou não tomando qualquer decisão e declarou extinto o processo, sem resolução do mérito.

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