A primeira e última eleição parlamentar livre na Alemanha Oriental

"OEm 18 de março de 1990, pela primeira vez os alemães-orientais foram às urnas para eleger de maneira democrática os parlamentares da Câmara Popular, abrindo caminho para a Reunificação.Os eleitores da República Democrática Alemã (RDA) tiveram que esperar mais de 40 anos por aquele dia: em 18 de março de 1990, eles finalmente puderam decidir numa eleição livre e secreta quem os representaria na Câmara Popular (em alemão Volkskammer, o Parlamento).

Desde a fundação da Alemanha Oriental comunista, em 1949, o resultado de eleições era conhecido de antemão: o Partido Socialista Unitário (SED) e os demais partidos da coligação Frente Nacional recebiam quase 100% dos votos. Não havia candidatos independentes.

Mas naquela eleição tudo foi diferente. Após a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, os eventos haviam se sucedido rapidamente: o todo-poderoso SED perdera seu papel de liderança, e ativistas dos direitos civis invadiram a sede da Stasi.

Como em outros países comunistas da Europa Oriental, o regime foi varrido por uma revolução pacífica. E apenas quatro meses após a abertura das fronteiras com os países ocidentais, 24 partidos e alianças estavam concorrendo pelos votos de quase 12 milhões de eleitores.

A RDA foi um caso à parte entre os antigos estados do Bloco Oriental: a eleição da Câmara Popular também incluía a questão de se e em que condições a Alemanha dividida deveria ser reunificada. Esse se tornou o tema dominante da campanha eleitoral.

Reunificação o quanto antes

A resposta da Aliança pela Alemanha à essa questão era clara: o quanto antes. Sob o lema “Socialismo nunca mais”, a coligação de Democratas Cristãos (CDU), União Social Alemã (DSU) e Despertar Democrático (DA) triunfou nas urnas, com 48% dos votos. A aliança recebera amplo apoio do então chanceler federal da Alemanha Ocidental, Helmut Kohl (CDU), na campanha eleitoral.

A médica Sabine Bergmann-Pohl, de 43 anos, foi eleita presidente da Câmara Popular. Como a maioria dos eleitos, ela não era uma política profissional. O trabalho no parlamento requereu uma “dose de coragem”, relembra em entrevista à DW. A carga de trabalho era enorme: foram 38 sessões plenárias em apenas seis meses, muitas delas durando até altas horas da noite. Nesse curto período, nada menos que 164 leis foram aprovadas.

Em 17 de junho de 1990, numa cerimônia comemorativa à revolta de 1953 na RDA [um levante contra o governo comunista], o partido DSU surpreendentemente apresentou um pedido para que a RDA se unisse imediatamente à República Federal da Alemanha. Isso causou grande turbulência na Câmara Popular, lembra Bergmann-Pohl. A moção foi então encaminhada às comissões.

“O momento ainda não havia chegado”, relembra a então presidente da Câmara Popular. Nessa fase inicial ainda havia fronteiras formais entre os dois estados alemães. A moeda do regime comunista ainda estava em uso na RDA, e o marco alemão-ocidental seria introduzido em julho.

Um pastor como ministro da Defesa

Pouco menos de um mês após a eleição para a Câmara Popular, em 12 de abril de 1990, o político da CDU Lothar de Maizière foi eleito o último presidente de um governo da Alemanha Oriental. Uma das figuras mais interessantes de seu ministério era o pastor evangélico e ativista Rainer Eppelmann, do Despertar Democrático, um grupo de direitos civis que mais tarde iria se unir à CDU da Alemanha Oriental. Eppelmann, um pacifista, tinha uma tarefa particularmente delicada como Ministro do Desarmamento e da Defesa: ele era responsável pelo Exército Popular Nacional, as forças armadas da RDA.

Os soldados se viam como “protetores do governo socialista e comunista na RDA”, recorda Eppelmann em entrevista à DW. “Eles poderiam ter acabado com tudo com um contramovimento”, diz. Para evitar isso, era necessário dar aos militares alemães-orientais uma perspectiva na Alemanha reunificada. Esse plano foi bem-sucedido, e o Exército Popular Nacional foi integrado à Bundeswehr (forças armadas da Alemanha Ocidental). E, após uma hesitação inicial, o líder soviético, Mikhail Gorbachev, concordou que a Alemanha reunificada fizesse parte da Otan.

Gorbachev e João Paulo 2º

Para Eppelmann, o papel de Helmut Kohl nos acontecimentos na Alemanha Oriental e no Leste Europeu é superestimado. Ele prefere destacar Gorbachev e o papa João Paulo 2º, que era polonês e que apoiou o movimento sindical Solidariedade. E é preciso falar sobre “os poucos milhares que, ao longo de anos, ousaram abrir a boca na RDA”.

O mérito do governo de Lothar de Maizière foi ter rapidamente conduzido o país à Reunificação. Eppelmann elogia particularmente a autoconfiança dos alemães orientais: eles acabaram com a ditadura “com as próprias forças, muita sorte e circunstâncias favoráveis”. Ao contrário do lado ocidental, a população da RDA teve que lutar pela sua liberdade, diz.

Bergmann-Pohl vai na mesma linha. A última presidente da Câmara Popular foi também, após uma emenda constitucional, a última chefe de Estado da RDA. Ela diz que “a maior conquista” daqueles tempos foi “as pessoas terem aprendido, da noite para o dia, a praticar a democracia”. E que, apesar da inexperiência política, terem conseguido participar ativamente da reunificação. Mas Bergmann-Pohl também aprendeu logo uma lição que vale até hoje na Alemanha: “A unificação dos alemães foi mais difícil e demorada do que acreditávamos na época”.

Tratado negociado em curto tempo

Bergmann-Pohl diz entender muito bem o sentimento de muitos alemães do antigo lado oriental de serem cidadãos de segunda classe. Ela diz não ter havido suficiente consideração pelas conquistas pessoais e experiências de cada um. Mesmo assim, ela diz que os alemães-orientais podem se orgulhar da rapidez com que se adaptaram a condições econômicas e sociais completamente novas. “Nenhum alemão-ocidental teve de passar por mudanças assim em tão pouco tempo.”

A decisão mais importante da Câmara Popular foi tomada numa sessão especial convocada com pouca antecedência nas primeiras horas da manhã de 23 de agosto de 1990. Com uma maioria esmagadora, o parlamento votou pela adesão à República Federal da Alemanha em 3 de outubro. Depois disso, políticos do Leste e do Oeste negociaram em curto espaço de tempo o tratado para a reunificação alemã. Eles precisaram de apenas quatro sessões para completar as mais de mil páginas. E em 20 de setembro, os parlamentos das duas Alemanhas, a apenas alguns dias de se tornarem de novo um único país, votaram a favor do tratado de unificação.

Merkel no papel de coadjuvante

Os principais nomes da última Câmara Popular e do último governo da Alemanha Oriental logo sumiriam do mapa político na Alemanha reunificada. “Éramos todos iniciantes na política”, diz Eppelmann, que foi um parlamentar do Bundestag até 2005. Como presidente de honra da fundação que cuida da reavaliação da ditadura do SED, ele continua intensamente envolvido com as lições do passado da RDA.

Bergmann-Pohl tornou-se, em 1990, ministra de Assuntos Especiais, uma assessora do governo sem uma pasta, com a tarefa de ampliar a perspectiva oriental num sistema político dominado pela Alemanha Ocidental. Mais tarde, ela se tornou secretária de Estado parlamentar no Ministério da Saúde. Até 2002 atuou no Bundestag pela CDU.

Naquela época, a líder da CDU já era uma mulher que, embora não tivesse assento na Câmara Popular de 1990, começara a adquirir uma valiosa experiência política como vice-porta-voz do primeiro governo alemão-oriental democraticamente eleito: Angela Merkel.

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