STF rejeita recursos sobre denúncia contra Bolsonaro e investigados

"BolsonaroMinistros mantêm delação de Mauro Cid e não acatam pedido de afastamento de magistrados; julgamento sobre denúncia da PGR pode tornar ex-presidente réu por tentativa de golpe e será retomado nesta quarta.A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, nesta terça-feira (25/03), todos os recursos apresentados pela defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro e de mais sete investigados por integrar o núcleo central de uma trama golpista arquitetada após a derrota nas eleições de 2022.

O julgamento da denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra os suspeitos começou nesta terça e deverá ser retomado e concluído na quarta. Os cinco ministros que compõem o colegiado definirão se os investigados passarão a ser réus de uma ação penal.

O advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, reiterou durante o julgamento o pedido para que a delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, fosse anulada, questionando a confiabilidade das declarações. Os magistrados decidiram por unanimidade manter a colaboração premiada.

Os ministros negaram também recursos que pediam o afastamento do ministro Alexandre de Moraes da relatoria da denúncia, por considerar que sua atuação extrapolou o escopo de seu cargo, e o impedimento dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin para julgar o caso.

O colegiado também recusou o pedido para que o julgamento ocorresse no plenário da Corte, que conta com os 11 ministros, dada a relevância de um processo envolvendo um ex-presidente.

O que esperar do julgamento?

A expectativa de advogados ouvidos pela DW é de que a corte dê aval à abertura do processo contra os investigados. Se a previsão se confirmar, Bolsonaro e sete aliados se tornarão réus e vão responder a ação penal pela trama golpista que culminou na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, poucos dias após a posse do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva (PT).

Após esse primeiro passo, a ação deve se arrastar pelos próximos meses, quando o tribunal ouvirá testemunhas e acusados, analisará provas e fará as demais diligências. Há o risco de que a conclusão do julgamento fique para 2026, o que pode levar a corrida eleitoral a atropelar o rito judicial.

O que pesa sobre os acusados?

O ex-presidente é acusado de cinco crimes: liderança de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. As penas podem somar mais de 40 anos de reclusão.

A peça da Procuradoria-Geral da República (PGR) denuncia 34 pessoas, mas o julgamento do STF dividiu os acusados em cinco grupos. Nesta primeira etapa, além de Bolsonaro, a corte também avalia a abertura dos processos contra os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Anderson Torres (Justiça) e o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência).

Foram implicados ainda Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha do Brasil, e Mauro Cid, ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência, além do ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem.

Quais as etapas do julgamento?

O julgamento está sendo conduzido pela Primeira Turma, composta pelos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luis Fux. Na semana passada, a maioria do plenário do tribunal rejeitou pedido da defesa de Bolsonaro e de Braga Netto para afastar Dino, Zanin e Moraes da análise do caso por suspeição.

“É importante que se lembre que o julgamento não está decidindo se há condenação ou não, mas sim se há elementos suficientes para o andamento do processo”, explica o ressalta o advogado criminalista Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da ESPM.

O que vem depois?

Se o STF rejeitar as alegações da PGR, o caso será arquivado. Caso contrário, começa uma nova etapa do processo em que serão avaliados os méritos das acusações.

O ordenamento jurídico não prevê a possibilidade de um recurso pelo recebimento da denúncia, de acordo com o advogado Acácio Miranda, especialista em Direito Penal. A defesa, porém, pode lançar mão de um dispositivo conhecido como “embargos de declaração”, em que são pedidos esclarecimentos sobre aspectos específicos da decisão.

O cronograma dos passos seguintes é imprevisível, porque o caso envolve múltiplos acusados. Cada equipe de defesa deve empregar estratégias próprias e podem, inclusive, entrar em contradição, o que amplia o prazo de apurações. “É muito provável que o julgamento do mérito não aconteça este ano, então deve entrar no calendário eleitoral”, avalia Miranda.

Bolsonaro pode ser preso?

A composição da Primeira Turma do STF torna o cenário “desfavorável” ao ex-presidente, avalia Crespo. No passado, os ministros do colegiado já tomaram decisões que contrariaram Bolsonaro. Moraes, em particular, é alvo frequente de ataques bolsonaristas.

Crespo considera improvável que uma eventual condenação produza uma pena que não leve Bolsonaro à prisão, sobretudo por conta da profundidade das denúncias da PGR .”Mas tudo vai depender do julgamento, de como será a interpretação da turma”, pondera.

Na mesma linha, Acácio Miranda vê chances significativas de que o ex-presidente seja condenado. O Código Penal Brasileiro ainda prevê recursos após a decisão e o réu só pode ser preso após o esgotamento de todos eles, cenário conhecido como “trânsito em julgado”. “Resta saber o timing disso, o momento dessa condenação. Sendo ele condenado, uma tendência lógica, em circunstâncias normais, é de que ele seja preso”, afirma.

Somados todos os crimes pelos quais Bolsonaro foi acusado, a sentença pode chegar a 43 anos de prisão.

Consequências políticas

O processo avaliado pelo STF não afetará diretamente as perspectivas eleitorais, porque Bolsonaro já foi declarado inelegível em 2023 por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação durante a campanha de 2022. O ex-presidente e Braga Netto estão impedidos de concorrer a cargos eletivos até 2030.

A evolução do litígio, no entanto, terá impacto em outras frentes. Para o cientista político Carlos Pereira, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-EBAPE), Bolsonaro perde algum capital político com o imbróglio jurídico, embora o núcleo mais firmes de apoiadores deva manter a lealdade ao ex-presidente.

“Por mais que o julgamento elenque evidências robustas de que houve envolvimento direto de Bolsonaro e seus ministros e vice-presidente na tentativa de golpe, essa parcela da população vai continuar com ele de qualquer maneira”, avalia.

Por outro lado, o segmento do eleitorado menos ideológico, que votou em Bolsonaro mais como repúdio ao PT, pode ser negativamente influenciado pela situação. Por isso, Pereira vê o caso como uma “janela de oportunidade” para que a direita encontre uma alternativa para a eleição do ano que vem.

A solidez e a repercussão da ação penal ditarão também a influência de Bolsonaro na escolha de um sucessor. Se ficar comprovado de forma inequívoca o envolvimento na trama golpista, candidatos conservadores independentes do ex-presidente ganhariam mais viabilidade. “Mas se o julgamento não mostrar uma clara conexão, a força política dele continuará sendo relevante”, ressalta Pereira.

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