Universidades europeias buscam pesquisadores que veem suas pesquisas ameaçadas pela Casa Branca. UE avalia flexibilizar vistos para acadêmicos de ponta e planeja ampliar investimento em bolsas de pesquisa.A União Europeia atua para atrair para solo europeu pesquisadores americanos que veem suas pesquisas ameaçadas pela pressão exercida pelo presidente dos EUA, Donald Trump, sobre as universidades do país.
A Comissão Europeia e diversas universidades do continente anunciaram uma série de programas com o objetivo de oferecer liberdade acadêmica a pesquisadores americanos que decidam se mudar para a Europa. O objetivo é atrair especialmente aqueles visados pela Casa Branca que atuam nas áreas de imunologia e doenças transmissíveis, mudanças climáticas e ciências sociais, como estudos de gênero, diversidade e migração.
Segundo acadêmicos europeus, o objetivo é oferecer uma saída para seus colegas que enfrentam uma possível interferência política de Trump e correm o risco de perder seus empregos com os cortes orçamentários promovidos pelo presidente contra o Ensino Superior.
“É ultrajante, injustificável”, afirmou Maria Leptin, presidente do Conselho Europeu de Pesquisa (ERC), o órgão público do bloco voltado à investigação científica e tecnológica, à DW por telefone. “Tenho muitos amigos e colegas nos EUA, e é simplesmente chocante ver o que está acontecendo lá.”
Jan Danckaert, reitor da Vrije Universiteit Brussel (VUB), na Bélgica, descreveu a situação como “dolorosa”.
“Pesquisadores devem ser protegidos ao máximo contra influências políticas. Mas nos EUA vemos exatamente o oposto. O governo está interferindo por razões políticas”, disse Danckaert à DW.
A VUB destinou recursos e estabeleceu um centro de informações para acadêmicos de destaque que desejem se mudar para Bruxelas, particularmente “pesquisadores de excelência atualmente atuando nos EUA que veem sua linha de pesquisa ameaçada”.
“Acreditamos que pode ser interessante divulgar especificamente nos Estados Unidos”, disse ele, “pois os estudiosos americanos enfrentam cortes abruptos de financiamento e podem se interessar em continuar suas pesquisas conosco em Bruxelas.” A universidade já recebeu dezenas de consultas de estudiosos dos EUA.
Já a Universidade Aix-Marseille (AMU), na França, lançou o programa Safe Space for Science para recrutar até 15 cientistas americanos que se sintam ameaçados ou impedidos de realizar suas pesquisas e que desejem continuar seu trabalho em um ambiente favorável à inovação, excelência e liberdade acadêmica.
“Acreditamos que podemos levantar até 15 milhões de euros [R$ 96,8 milhões] para um programa de três anos, e trabalharemos com instituições locais para receber cerca de quinze pesquisadores”, afirma um comunicado de Eric Berton, presidente da Universidade Aix-Marseille, publicado no site da instituição.
UE promete vistos mais fáceis e mais recursos para realocação
Ekaterina Zaharieva, comissária europeia para Startups, Pesquisa e Inovação, declarou que a UE está acompanhando de perto os desdobramentos nos EUA e está pronta para oferecer apoio.
“A Europa está de olho em vocês”, ao prometer o continente como um destino atraente para a pesquisa.
Em uma carta assinada por líderes europeus, doze países pediram à Comissão que apresentasse medidas concretas para atrair estudiosos dos EUA.
Em resposta, a UE informou que está elaborando uma nova estratégia de vistos, com lançamento previsto para o final deste ano, além de ter iniciado um projeto voltado a oferecer subsídios maiores e prazos de recrutamento mais longos para pesquisadores de alto nível que decidam se mudar para a Europa.
O bloco também decidiu dobrar o valor das bolsas concedidas a cientistas e acadêmicos selecionados pelo Conselho Europeu de Pesquisa (ERC), que avalia candidaturas de todo o mundo. Segundo Zaharieva, o Conselho atualmente oferece um complemento de 1 milhão de euros (R$ 6,4 milhões) para custos de realocação, mas a UE aumentará esse valor para 2 milhões de euros (R$ 12,8 milhões) ainda este ano.
Isso eleva o subsídio total inicial para 3,5 milhões de euros (R$ 22,5 milhões) e o subsídio avançado para 4,5 milhões de euros (R$ 29 milhões) para cada bolsista durante um período de cinco anos, permitindo que eles estabeleçam uma equipe de pesquisa, se necessário. Candidatos devem ter completado um doutorado há pelo menos dois anos.
A presidente do ERC, Maria Leptin, declarou à DW que o financiamento adicional para pesquisadores vindos de fora da Europa — agora ampliado — ajuda a cobrir “custos incomuns”, como “a transferência de um laboratório ou equipe de pesquisa para a Europa, ou a compra de equipamentos caros” necessários ao projeto.
Além disso, a UE decidiu positivar a liberdade de pesquisa científica em sua legislação, com o objetivo de aumentar sua atratividade junto à comunidade acadêmica e oferecer a segurança necessária para quem considera mudar sua vida para o exterior.
Países, estados e municípios também buscam pesquisadores
Vários governos europeus também apresentaram planos próprios para atrair pesquisadores. A Holanda pretende investir milhões para atrair cientistas, especialmente dos EUA. O governador da Catalunha, na Espanha, Salvador Illa, anunciou o programa Ponte de Talentos Catalã, de 30 milhões de euros, que financiará mais de 70 pesquisadores americanos.
A cidade de Berlim também criou um fundo especial para atrair estudiosos dos EUA, e vários acadêmicos alemães de destaque têm pedido que o governo federal fizesse o mesmo.
Para Leptin, presidente do Conselho Europeu de Pesquisa, o bloco demorou a se posicionar para atrair pesquisadores.
“Fico surpresa que a Europa precise esperar que a situação nos EUA se deteriore para então dizer que precisamos nos tornar atraentes para os acadêmicos”, disse Leptin.