Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site The Conversation
Por Eva Warburton e Olga Boichak
Na semana passada, o governo Trump assinou um acordo com a Ucrânia que lhe dá acesso privilegiado aos recursos naturais do país.
Alguns meios de comunicação descreveram o acordo como uma ” cessão ” do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky às exigências do presidente dos EUA, Donald Trump.
Mas vemos o acordo como resultado de uma barganha inteligente por parte do presidente da Ucrânia em tempo de guerra.
Então, o que o acordo significa para a Ucrânia? E ajudará a fortalecer as cadeias de suprimentos minerais dos EUA?
A riqueza dos recursos naturais da Ucrânia
A Ucrânia abriga 5% da riqueza mineral crítica do mundo, incluindo 22 dos 34 minerais identificados pela União Europeia (UE) como vitais para defesa, construção e fabricação de alta tecnologia.
No entanto, há uma grande diferença entre recursos (o que está no solo) e reservas (o que pode ser explorado comercialmente). As reservas minerais comprovadas da Ucrânia são limitadas.
Além disso, a Ucrânia tem uma riqueza mineral estimada em cerca de US$ 14,8 trilhões, mas mais da metade disso está em territórios atualmente ocupados pela Rússia.
O que o novo acordo significa para a Ucrânia?
O apoio americano a conflitos no exterior geralmente visa proteger os interesses econômicos dos EUA — frequentemente na forma de exploração de recursos. Do Oriente Médio à Ásia, as intervenções americanas no exterior permitiram o acesso de empresas americanas ao petróleo, gás e minerais de outros países.
Mas a primeira versão do acordo mineral com a Ucrânia, rejeitada por Zelensky em fevereiro, era uma apropriação de recursos especialmente descarada pelo governo Trump. Exigia que a Ucrânia cedesse a soberania sobre suas terras e recursos a um país (os EUA), a fim de se defender de ataques de outro (a Rússia).

Esses termos eram altamente exploradores para um país que lutava contra uma ocupação militar que durava anos. Além disso, violavam a Constituição da Ucrânia, que coloca a propriedade dos recursos naturais da Ucrânia nas mãos do povo ucraniano. Se Zelensky aceitasse isso, teria enfrentado uma tremenda reação pública.
Em comparação, o novo acordo parece uma vitória estratégica e (potencialmente) comercial para a Ucrânia.
Em primeiro lugar, este acordo é mais justo e está alinhado com os interesses da Ucrânia a curto e médio prazo. Zelenksy o descreve como uma “parceria igualitária” que modernizará a Ucrânia.
Segundo os termos, a Ucrânia criará um Fundo de Investimento para Reconstrução Estados Unidos-Ucrânia para investimentos estrangeiros na economia do país, que será governado conjuntamente por ambos os países.
A Ucrânia contribuirá com 50% da renda de royalties e licenças para desenvolver minerais essenciais, reservas de petróleo e gás, enquanto os EUA podem fazer suas contribuições em espécie, como por meio de assistência militar ou transferência de tecnologia.
A Ucrânia mantém a propriedade sobre seus recursos naturais e empresas estatais. E os acordos de licenciamento não exigirão mudanças substanciais nas leis do país nem prejudicarão sua futura integração com a Europa.
É importante ressaltar que não há menção a dívidas retroativas pela assistência militar americana já recebida pela Ucrânia. Isso teria criado um precedente perigoso, permitindo que outras nações buscassem reivindicar dívidas semelhantes da Ucrânia.
Por fim, o acordo também sinaliza o comprometimento do governo Trump com “uma Ucrânia livre, soberana e próspera” — embora ainda sem nenhuma garantia de segurança.
Os lucros podem demorar muito para chegar
Não é de surpreender que o governo Trump e a mídia conservadora nos EUA estejam enquadrando o acordo como uma vitória.
Por muito tempo, argumenta Trump, a Ucrânia desfrutou de assistência militar financiada pelos contribuintes americanos, e essa assistência agora tem um preço. O governo descreveu o acordo aos americanos como um empreendimento lucrativo que pode recuperar o dinheiro gasto na defesa dos interesses ucranianos.
Mas, na realidade, os lucros estão muito distantes.
Os termos do acordo estabelecem claramente que o investimento do fundo será direcionado a novos projetos de recursos. Operações existentes e projetos estatais ficarão de fora dos termos do acordo.
Projetos de mineração geralmente trabalham em prazos longos. A transição da exploração para a produção é um processo lento, de alto risco e extremamente caro. Muitas vezes, pode levar mais de uma década.
Some-se a essa complexidade o fato de que alguns especialistas estão céticos quanto à possibilidade de a Ucrânia possuir reservas extremamente valiosas. E, para levar quaisquer depósitos promissores ao mercado, serão necessários grandes investimentos.
O que talvez seja mais importante
É possível, no entanto, que os lucros sejam um cálculo secundário para os EUA. Eliminar a China provavelmente será tão – se não mais – importante.
Assim como outras nações ocidentais, os EUA estão desesperados para diversificar suas cadeias de fornecimento de minerais essenciais.
A China não controla apenas uma grande proporção dos depósitos de terras raras conhecidos no mundo, mas também tem o monopólio do processamento da maioria dos minerais críticos usados em energia verde e tecnologias de defesa.
Os EUA temem que a China use seu domínio de mercado como arma contra rivais estratégicos. É por isso que os governos ocidentais tornam cada vez mais a resiliência da cadeia de suprimentos de minerais um aspecto central de suas políticas externas e estratégias de defesa.
Dada a proximidade de Beijing com Moscou e o aprofundamento da cooperação em recursos naturais, o acordo EUA-Ucrânia pode impedir a Rússia — e, por extensão, a China — de acessar os minerais ucranianos. Os termos do acordo são explícitos: “Estados e pessoas que agiram negativamente em relação à Ucrânia não devem se beneficiar de sua reconstrução”.
Por fim, o desempenho do “acordo” importa igualmente para Trump. Conseguir que Zelensky assine na linha pontilhada já é um progresso por si só, agrada à base de Trump em casa e pressiona o presidente russo, Vladimir Putin, a se sentar à mesa.
Portanto, o acordo é uma vitória para Zelensky, pois dá aos EUA uma participação na independência da Ucrânia. Mas, mesmo que as reservas minerais críticas da Ucrânia se revelem menos valiosas do que o esperado, isso pode não importar para Trump.
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