O avanço nas negociações comerciais entre Estados Unidos e China é um impulso para Donald Trump, enquanto a equipe do presidente se lança no mais amplo conjunto de conversas diplomáticas de alto nível em anos, envolvendo também Ucrânia, Rússia, Irã, outros países do Oriente Médio e diversos rivais comerciais globais.
Um acordo para afastar uma alarmante guerra comercial entre duas superpotências do século XXI aliviará parte da perturbação imediata causada no mundo durante o segundo mandato de Trump.
Mas a grande questão desta semana, com o republicano partindo para a primeira grande viagem internacional de seu segundo mandato, é se essa onda de tentativas de acordos melhorará a posição estratégica dos Estados Unidos ou se não justificará os custos e acabará alienando aliados e fortalecendo inimigos.
Há certa ironia no engajamento do governo dos EUA em tantas frentes. Afinal, Trump é o presidente da “América [Estados Unidos] em primeiro lugar” (bordão usado na campanha do empresário], eleito com a promessa de reduzir os preços no país e lidar com a questão da imigração na fronteira com o México, em vez de julgar as disputas de fronteira de outras nações.
Mas as negociações que abrangem diversas questões globais também refletem a determinação de Trump em impor suas ideias e autoridade em todo o mundo e suas tentativas de destruir sistemas políticos, diplomáticos e econômicos que perduram há décadas.
Assim, suas políticas correm um risco considerável, já que os planos frequentemente unilaterais e heterodoxos de Trump para revolucionar o comércio global; exercer o poder dos EUA sobre nações menores; abordar o programa nuclear do Irã; conter a China; e interromper a matança na Ucrânia podem sair pela culatra.
É difícil acompanhar um governo com um dedo em tantas questões geopolíticas.
Neste fim de semana, por exemplo, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, reuniu-se com negociadores comerciais da China na Suíça e garantiu cortes de 115 pontos percentuais nas novas tarifas que cada lado impôs ao outro depois que Trump iniciou o conflito.
Ainda assim, parece provável que os consumidores acabem pagando preços mais altos por produtos fabricados na China, mesmo com o governo saudando o acordo provisório como uma grande vitória para o presidente.
Além disso, em Omã, outro grupo de autoridades americanas manteve conversas diretas duras e inconclusivas com negociadores iranianos sobre o programa nuclear do Irã.
Outro ponto é que o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o vice-presidente JD Vance ajudaram alinhar um cessar-fogo após uma escalada alarmante entre a Índia e o Paquistão.
Em relação à guerra na Ucrânia, Trump pressionou o presidente Volodymyr Zelensky a encontrar o chefe de Estado russo, Vladimir Putin, na Turquia.
E, sobre o conflito na Faixa de Gaza, o presidente dos EUA repercutiu o anúncio do Hamas de que iria libertar Edan Alexander, o último refém americano vivo mantido pelo Hamas.
A medida parece ser uma tentativa de pressionar Israel a respeito das negociações de cessar-fogo e da ajuda humanitária antes de Trump chegar à região.
Tudo isso aconteceu dias depois de o presidente dos Estados Unidos concluir um acordo comercial com o Reino Unido e antes de partir nesta segunda-feira para o Oriente Médio.
O republicano deve passar por Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos, em uma viagem que destacará sua afinidade pessoal com as nações mais ricas do mundo e a crescente influência política e econômica da região do Golfo.
Essa atividade intensa não é necessariamente o que muitos especialistas em política externa esperavam quando Trump retornou ao poder em janeiro, mas traz a promessa de que o presidente mais disruptivo da história moderna poderia acumular vitórias em política externa que aliviariam as tensões globais.
Ainda assim, a agitação diplomática em si não significa progresso.
Muitas das negociações, incluindo aquelas sobre a guerra tarifária de Trump com a China e aquelas com o Irã — depois que ele destruiu um acordo nuclear anterior com os iranianos em seu primeiro mandato — visam mitigar as crises causadas pelo presidente.
Outros posicionamentos, como a posição pró-Rússia do governo em relação à guerra na Ucrânia, levantam dúvidas sobre sua justiça.
E a redução da ajuda externa da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), especialmente para o combate ao HIV/AIDS, por parte de Trump, pode significar que muitas pessoas correm o risco de morrer ou morrer de fome.
Política externa americana mais heterodoxa da história moderna
Existem algumas tendências comuns em todas as manobras de política externa dos Estados Unidos atualmente:
Negociações conduzidas por autoridades inexperientes
Na maioria dos casos, as negociações são conduzidas por autoridades inexperientes em diplomacia global.
Um exemplo é Steve Witkoff, amigo e enviado especial de Trump, profundamente envolvido na diplomacia do Oriente Médio, Ucrânia e Irã. Assim como o presidente, ele é um investidor imobiliário.
Sua proeminência se encaixa na desconfiança do presidente em relação às autoridades de política externa do establishment e na promoção de estrangeiros.
Mas, às vezes, sua ingenuidade parece um problema. Witkoff frequentemente emerge de reuniões com Putin promovendo a desinformação e a propaganda expansionista da Rússia.
Da mesma forma, Scott Bessent, secretário do Tessouro dos EUA, não tem experiência com as conversas exaustivas, prolongadas e formais que as autoridades chinesas preferem em negociações, especialmente em questões comerciais complexas.
Negociações prejudicadas pela abordagem volátil de Trump
Qualquer negociação, a qualquer momento, pode ser prejudicada pela abordagem heterodoxa e volátil de Trump.
O confronto comercial com a China mergulhou em uma crise genuína quando o presidente aumentou arbitrariamente as tarifas para 145%, seguindo um palpite que teve o efeito de encerrar uma das relações comerciais mais críticas do mundo.
Antes das negociações do fim de semana, Trump disse que estava disposto a reduzir as tarifas para 80%.
Os admiradores do presidente veem essa imprevisibilidade como a genialidade de um negociador. Mas ele também está jogando roleta com os mercados globais — e, portanto, com as economias de aposentadoria de milhões de americanos.
A incerteza está tornando uma recessão mais provável.
Imprevisibilidade de Trump paira sobre todas as negociações
Seu papel perpétuo de policial mau que lança retórica extremista nas redes sociais pode ser uma ferramenta de negociação útil para autoridades, que podem argumentar que ele pode sair dos trilhos se as negociações fracassarem.
E a capacidade de quebrar paradigmas de Trump pode forjar aberturas que outros presidentes rejeitaram; por exemplo, suas notáveis reuniões no primeiro mandato com o tirano norte-coreano Kim Jong-un.
Mas, embora a diplomacia tenha acalmado as tensões, a realidade é que as nações seguem seus próprios interesses de política externa.
A diplomacia baseada apenas na personalidade de um presidente frequentemente falha, e isso foi comprovado quando a estratégia de Trump não encerrou os programas nuclear e de mísseis de Pyongyang.
Hiperpolitização do governo difilculta avaliação de estratégias
A hiperpolitização do governo Trump dificulta a avaliação de suas estratégias de segurança nacional.
Toda vez que há um pequeno avanço, o presidente o aclama como um dos grandes feitos da história. E subordinados bajuladores alimentam seu desejo de adulação com elogios exagerados.
“O que testemunhei foi como assistir a um grande mestre de xadrez jogar”, disse o principal assessor da Casa Branca, Stephen Miller, à Fox News na semana passada, após uma desconexa entrevista coletiva de Trump com o primeiro-ministro canadense, Mark Carney, durante a qual o presidente insistiu, de forma bizarra, que o Canadá deveria se tornar o 51º estado dos EUA — apesar de Carney ter reiterado que isso nunca aconteceria.
Em mais hipérbole, Trump declarou que “os EUA e o Reino Unido vêm trabalhando há anos para tentar chegar a um acordo, e nunca chegaram a um acordo”.
Isso é verdade, mas o acordo que ele assinou ficou muito aquém das aspirações anteriores. A maioria dos produtos do Reino Unido ainda terá uma tarifa de 10%, o que significa preços mais altos para os consumidores americanos. Muitas vezes, para Trump, tudo se resume ao acordo, seja ele bom ou não.
Busca agressiva por interesses financeiros
Mais de três meses após o início do segundo mandato de Donald Trump, há evidências crescentes de que sua política externa transacional é motivada mais por uma busca agressiva por interesses financeiros dos EUA e até mesmo por seu próprio ganho pessoal do que por valores tradicionais americanos.
Trump exigiu que a Ucrânia aderisse a um pacto no qual os Estados Unidos compartilhariam as receitas de sua riqueza mineral como condição para a continuidade do apoio americano em meio à guerra, que lembrava a pilhagem do colonialismo.
E a CNN noticiou no domingo que Trump deve aceitar um presente do Catar: uma aeronave 747-8 de luxo, avaliada em centenas de milhões de dólares, para servir como o novo avião presidencial.
O avião retornaria à biblioteca do republicano e ao seu uso pessoal quando ele deixasse o cargo, no que parece ser uma enorme violação ética e poderia infringir a Constituição.
Após relatos sobre o jato, Trump afirmou na noite de domingo que o Departamento de Defesa planeja aceitar um jato Boeing 747-8 para substituir o Air Force One (como é chamado o avião presidencial) como um “presente, gratuito”.
Ataques de Trump destroem confiança nos EUA
O chefe da diplomacia dos EUA, Marco Rubio, argumenta que o teste de toda política externa do país agora é se ela torna os americanos mais seguros e prósperos.
Mas os ataques de Trump a aliados e a genuflexão diante de ditadores estão destruindo a confiança nos Estados Unidos e levando seus aliados a buscarem arranjos de segurança que acabariam enfraquecendo o poder dos EUA no exterior.
Progresso com a China; dúvidas sobre Irã e Ucrânia
O governo dos Estados Unidos alegou sucesso em várias frentes no fim de semana.
Volodymyr Zelensky concordou em se juntar a Putin para as negociações na Turquia, em meio à esperança de que elas possam representar um ponto de virada na guerra.
Essa decisão foi tomada após uma visita de líderes europeus a Kiev, na qual exigiram um cessar-fogo de 30 dias antes do início das negociações.
Mas a Rússia recusou e Zelensky hesitou depois que Trump escreveu em sua rede social, a Truth Social: “Estou começando a duvidar que a Ucrânia faça um acordo com Putin”.

O líder ucraniano pode sentir que não tinha escolha a não ser ir às negociações para evitar alienar o líder americano.
Mas a repreensão do presidente foi apenas a mais recente ocasião em que ele promoveu a posição da Rússia e rejeitou os aliados dos EUA na Europa que apoiam a Ucrânia.
Suas constantes concessões a Putin significam que os EUA não são vistos como um mediador honesto e podem indicar que a Rússia acabe sendo recompensada por sua invasão ilegal.
As reduções tarifárias das negociações comerciais EUA-China durarão 90 dias, a princípio, enquanto novas negociações sobre o reequilíbrio comercial continuam.
Uma tarifa de 30% deveria ser suficiente para permitir a retomada do comércio entre as duas economias, que praticamente foi paralisado nas últimas semanas.
Mas parece duvidoso que tarifas nesse nível sejam suficientes para trazer de volta a produção e os empregos da China para os EUA – o objetivo ostensivo das guerras comerciais de Trump.
O Secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, pontuou a Dana Bash, da CNN, no programa “State of the Union” no domingo, que as evidências de que tarifas significam preços mais altos para os consumidores equivalem a “argumentos tolos”.
Mas o resultado deste acordo quase certamente significará que os consumidores americanos, já prejudicados pelos preços mais altos dos alimentos, acabarão pagando muito mais por todos os tipos de produtos.
E isso pode não justificar a enorme pressão que Trump impôs aos mercados de ações globais.
O presidente americano também afirmou que seu governo foi fundamental para encerrar o conflito entre a Índia e o Paquistão sobre a Caxemira, que parecia prestes a explodir em uma guerra em larga escala.
O governo paquistanês classificou a intervenção dos EUA como decisiva, embora a Índia tenha se mostrado mais cautelosa.
Ainda assim, o envolvimento dos EUA pode ser um sinal de que Trump está mais disposto a se lançar na diplomacia internacional sem uma recompensa óbvia aos EUA do que parecia à primeira vista.
Poucas horas antes de Washington se envolver mais, JD Vance, integrante da ala isolacionista do MAGA, descreveu a disputa como “da nossa conta”.
A iniciativa de política externa mais antiga de Trump está no Oriente Médio e começou antes de ele assumir o cargo. É uma propaganda ruim para sua estratégia.
O envolvimento de Witkoff até agora não conseguiu parar a guerra em Gaza, à medida que a crise humanitária mortal se agrava.
Na verdade, Trump pode ter piorado as coisas. Seu plano de transferir palestinos e construir a “Riviera do Oriente Médio” não é apenas equivalente a uma limpeza étnica, mas também impulsionou os apelos de políticos de extrema direita no governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, por discussões sobre a soberania de Gaza.
E a hostilidade de Donald Trump aos aliados dos EUA tem sido destrutiva. Uma crescente ruptura transatlântica tem levado governos que sempre apoiaram o país a se afastarem e a ponderarem seus próprios arranjos de segurança.
Isso pode cumprir uma das metas de Trump de que os aliados façam mais em sua própria defesa. Mas pode romper um sistema de alianças que multiplicou o poder dos EUA por gerações.
E Carney, do Canadá, alertou que uma das amizades geopolíticas mais próximas da história nunca mais será a mesma após as ameaças de Trump de anexar sua nação.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Análise: avanço em acordo com China permite que Trump reivindique “vitória” no site CNN Brasil.