Além de destruir casas no curto prazo, eventos climáticos extremos vêm provocando novo tipo de especulação imobiliária. Áreas mais elevadas despertam cobiça, e preço de seguros dispara.A disparada dos preços das moradias tornou-se um dos efeitos da crise climática. Em cidades prejudicadas por fenômenos como enchentes, queimadas ou furacões, há uma pressão ainda maior sobre a crise global de habitação em curso, puxada pela especulação de empresas proprietárias, inflação e altos custos de construção.
Na Califórnia, estado americano com cerca de 187 mil pessoas em situação de rua, o governo decidiu impor, entre outras medidas, um teto ao reajuste dos aluguéis após os incêndios mortais em Los Angeles, em janeiro. Mas os preços cada vez mais inacessíveis têm se tornado um padrão em várias cidades do mundo.
“Não se trata de uma questão exclusivamente rural ou urbana, ou uma questão de proprietários ou locatários”, disse Sara McTarnaghan, pesquisadora do Urban Institute, um think tank dos EUA voltado para políticas sociais. “Há uma espécie de experiência compartilhada em que os preços das casas e dos aluguéis continuaram a subir muito mais rápido do que a renda.”
Esse também é um problema sem restrições geográficas. Metade das cidades com os aluguéis que aumentam mais rapidamente no mundo está no Sul Global.
Fuga de áreas de risco piora desigualdade
Desastres naturais e outros eventos extremos – cada vez mais intensos e frequentes devido à emergência climática promovida pelo uso de combustíveis fósseis e pela degradação ambiental – estão mudando a atratividade de bairros em regiões de risco e mudando o eixo da especulação imobiliária.
Em cidades costeiras como Miami, tem diminuído o interesse por propriedades à beira-mar, à medida que o nível do mar aumenta como resultado do aquecimento das temperaturas globais e pela ameaça de furacões.
“Há pessoas de alta renda em áreas costeiras baixas que são vulneráveis a inundações e que agora estão procurando áreas mais elevadas”, disse Zac Taylor, especialista em finanças climáticas da Universidade Tecnológica de Delft, na Holanda. Por sua vez, essa mudança nos padrões de investimento está “deslocando os moradores de baixa renda existentes”.
Embora as propriedades à beira-mar em bairros como Miami Beach continuem populares, os preços em áreas de baixa renda longe da costa, como Little Haiti, estão subindo mais rapidamente do que no resto da cidade. Os imóveis em áreas mais elevadas de Miami estão se valorizando mais rapidamente nos EUA. Os especialistas chamam isso de “gentrificação climática”.
“Conversei com incorporadores imobiliários que me disseram que sim, eles pensam na elevação agora quando compram propriedades para desenvolvimento de longo prazo”, disse Taylor. “Portanto, sabemos que a pressão de deslocamento nessas comunidades está sendo em certa medida ampliada por uma preocupação com o clima.”
Desastres alimentam especulação
Desastres climáticos exercem uma pressão de curto prazo sobre a oferta de aluguéis ao destruir moradias, o que tem ocorrido em cidades e circunstâncias diversas.
Os recentes incêndios florestais em Los Angeles destruíram 16 mil estruturas, incluindo casas, afetando instantaneamente o que já era um dos mercados imobiliários mais caros do país.
“Muitas vezes pensamos no sucesso da recuperação de desastres como a recuperação das unidades habitacionais, mas não há muita visibilidade para saber se essa unidade habitacional é acessível ou se continua ocupada pela mesma pessoa”, disse McTarnaghan.
Em Nova Orleans, os preços das moradias aumentaram 33% após a passagem do furacão Katrina, em 2005. A tempestade causou danos de 125 bilhões de dólares e matou 1.392 pessoas.
Em Porto Rico, os custos de moradia aumentaram 22% após a passagem do furacão Maria, em 2017 – o mais mortal da história recente dos EUA, com 3.000 mortos somente em Porto Rico, e danos da ordem de 90 bilhões dólares. A reconstrução, o redesenvolvimento e os aumentos de preço após o desastre transformaram completamente bairros inteiros.
Os custos de seguro também estão disparando para mais de 1,2 bilhão de pessoas no mundo altamente expostas a pelo menos um risco climático crítico.
Nos EUA, o custo médio anual do seguro residencial quase triplicou entre 2001 e 2021, subindo de 536 para 1.411 dólares, principalmente por conta do aumento dos riscos de desastres ligados ao aquecimento do planeta.
Na Alemanha, onde as enchentes estão se tornando cada vez mais frequentes, é previsto que o valor do seguro residencial dobre na próxima década.
Na Austrália – frequentemente atingida por incêndios florestais e inundações – 15% das famílias sofrem de “estresse de acessibilidade ao seguro residencial”, o que significa que pagam mais de quatro semanas de sua renda anual com seguro.
Planejamento urbano voltado para o clima
McTarnaghan argumenta que mais moradias ajudarão a lidar com o aumento da demanda pós-desastres.
Essa flexibilidade ajudaria as pessoas afetadas por desastres a se beneficiarem de “uma maior oferta de moradias que pode acomodar melhor as mudanças e os surtos que ocorrem com os desastres”, disse ela.
A expansão do número de moradias também proporcionaria, de modo geral, mais opções para locatários e proprietários de imóveis, ajudando na crise mais ampla de acessibilidade de moradias. Ainda assim, a mudança climática apresenta desafios únicos que não podem ser resolvidos apenas com um estoque ampliado.
“Há uma necessidade realmente urgente de transformar nosso estoque para reduzir sua pegada de carbono, mas também para reduzir a vulnerabilidade física aos riscos climáticos”, disse McTarnaghan.
O planejamento urbano focado em áreas de baixo risco pode ajudar. Além disso, a modernização voltada para o clima, como telhados resistentes ao fogo ou laterais robustas em regiões propensas a furacões e tufões, pode ajudar a proteger contra desastres.
Zac Taylor argumenta que a redução de riscos deve ser vista como parte de uma abordagem social mais ampla em relação à acessibilidade da moradia e ao enfrentamento das mudanças climáticas.
“Precisamos de uma visão mais clara da sociedade em que queremos viver. O que queremos proteger e investir? Qual é a importância de moradias seguras e econômicas? Precisamos pensar sobre isso se quisermos redesenhar nossas instituições para enfrentar esses riscos”, defende.