Para Andrei Kozyrev, que foi ministro do Exterior da Rússia entre 1990 e 1996, Putin já se acostumou com as ameaças do Ocidente, que, segundo ele, deveria fazer mais por Kiev assim como fazem os aliados de Moscou.Os países europeus possuem poder de fogo para apoiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia e forçar Moscou a recuar suas tropas estacionadas em território ucraniano, diz o ex-ministro do Exterior da Rússia Andrei Kozyrev em entrevista à DW.
Segundo o ex-chanceler, porém, o presidente russo, Vladimir Putin, “já se acostumou” com as ameaças europeias, que não estariam se consolidando em uma atuação mais incisiva no conflito.
“O que vejo até agora é o seguinte: nem [Donald] Trump, nem ninguém no Ocidente, entre os aliados ocidentais, está disposto a fazer pela Ucrânia o que os ‘aliados orientais’ da Rússia fazem por ela”, afirmou.
A única saída para Putin considerar de fato o fim de sua incursão militar, segundo Kozyrev, é “armar a Ucrânia”.
Kozyrev, que atualmente vive nos Estados Unidos, chefiou o ministério do Exterior da Rússia entre 1990 e 1996 durante o governo de Boris Yeltsin. No período, Putin ainda não disputava a chefia do Kremlin.
DW: Na sua opinião, o que é preciso para alcançar uma saída para o fim do conflito na Ucrânia?
Andrei Kozyrev: A única maneira de deter Vladimir Putin e levá-lo realmente a uma negociação séria, a considerar o fim da intervenção, é armar a Ucrânia, como às vezes expressou Trump, até os dentes.
Somente o exército ucraniano, a economia ucraniana e a força do país como um todo podem se tornar um obstáculo contra mais agressões na Europa e a continuação desta guerra. Mas isso, infelizmente, não está acontecendo.
Acredita-se que Putin, devido às trocas diplomáticas das últimas semanas, esteja sob pressão, também em um momento em que Trump disse que Putin o está manipulando. Além disso, a situação evoluiu de forma muito diferente do que o presidente russo havia previsto. O senhor compartilha dessa visão?
Não há indícios de que Trump esteja realmente disposto a agir de forma concreta, ao menos impondo sanções econômicas, embora elas não sejam tão eficazes.
O que vejo até agora é o seguinte: nem Trump, nem ninguém no Ocidente, entre os aliados ocidentais, está disposto a fazer pela Ucrânia o que os “aliados orientais” da Rússia fazem por ela. Coreia do Norte e Irã fornecem armas e mísseis. A Coreia do Norte já participa diretamente da intervenção e enviou tropas. E o Ocidente só fala. Que tipo de ameaça estamos discutindo, então? Putin já se acostumou a essas ameaças.
O senhor acredita que os Estados Unidos, sob Trump, mudarão sua política e armarão mais fortemente a Ucrânia?
Claro que poderiam fazer isso, é apenas uma questão de vontade política. Mas eles têm medo. Têm medo da chantagem nuclear de Putin. No entanto, Putin nunca usará armas nucleares por causa da Ucrânia. Isso é apenas uma ameaça.
O senhor diz que o Ocidente demonstrou falta de vontade. A que exatamente está se referindo?
Eles têm armas. França, Alemanha e Reino Unido têm armamentos que poderiam disponibilizar ou fabricar rapidamente para realmente mudar o curso desta guerra e até mesmo colocar um fim nela. Eu espero que a Rússia recue até suas fronteiras. As negociações não passam de um acessório para qualquer outra ação.
O senhor está atualmente em Washington. Acredita que Trump estaria realmente disposto a se retirar a qualquer momento, esquecer a Ucrânia e agir como se ela não existisse no mapa?
Acho que ele adoraria fazer isso. E, ao seu redor, há muitos que fariam exatamente isso: enfiar a cabeça na areia como um avestruz e dizer que o único país que importa são os Estados Unidos, que não estão interessados em mais nada, e que a Europa que se vire. Isso demonstra uma completa incompreensão do papel dos EUA como líder do mundo livre e dos próprios interesses americanos, inclusive econômicos.
O que o impede é a opinião pública, que em sua maioria está do lado da Ucrânia. Também o incomoda o fato de que, na tradição americana, existe certa empatia com democracias que se defendem de uma ditadura. Como na Europa, também no Congresso americano há muitos, inclusive republicanos, que, embora não se oponham abertamente a Trump, mantêm firmes suas próprias convicções. Há uma resolução de apoio à Ucrânia, e Trump precisa respeitá-la.