Estudo potencializa imunoterapia usada contra câncer no sangue

Atualmente, metade dos pacientes com linfoma não Hodgkin e com leucemia linfoblástica aguda — dois tipos de câncer que afetam células do sangue — não responde adequadamente ao tratamento com células CAR-T. Essa terapia consiste em coletar células de defesa da própria pessoa a ser tratada (linfócitos T), modificá-las em laboratório para que se tornem capazes de destruir as células tumorais e reinjetá-las no organismo. Esses casos refratários normalmente recidivam após a imunoterapia convencional.

Para contornar o problema, pesquisadores brasileiros desenvolveram uma versão mais potente das células CAR-T. Os detalhes da pesquisa foram divulgados na revista Cancer Research.

“A imunoterapia com células CAR-T é revolucionária e tem salvado a vida de muitas pessoas nos últimos anos. No entanto, ainda há uma parcela significativa de pacientes que não responde a esse tratamento. Testamos uma série de drogas nas células CAR-T e uma delas revelou-se promissora ao inibir alterações epigenéticas [relacionadas com o padrão de expressão dos genes] que tornavam as células pouco eficientes contra esses dois tipos de tumor hematológico”, conta Maria Letícia Rodrigues Carvalho, primeira autora do estudo realizado no A.C. Camargo Cancer Center com apoio de Bolsa de Mestrado da Fapesp, hoje no doutorado.

Como explicam os autores, o linfoma não Hodgkin acomete majoritariamente adultos de meia-idade, enquanto os pacientes de leucemia linfoblástica são, em sua maioria, crianças.

Os estudos foram realizados em células tumorais (in vitro) e em camundongos (in vivo) e representam o primeiro passo para que, no futuro, possa haver ensaios em humanos.

Entre as drogas testadas nas células CAR-T, a que mostrou maior potencial foi um inibidor do complexo de proteínas conhecido pela sigla PRC2. No organismo saudável, essas proteínas são necessárias para induzir a expressão dos genes que freiam a ação das células de defesa, para que estas não ataquem as células saudáveis.

“No entanto, no contexto do câncer, é importante que não haja freios como estes, a fim de que ocorra a eliminação completa do tumor. Embora a base da imunoterapia com células CAR-T seja justamente retirar esses freios, alguns ainda permanecem. O que fizemos foi remover aqueles que impedem uma melhor resposta contra o linfoma não Hodgkin e contra a leucemia linfoblástica aguda”, explica Tiago da Silva Medina, pesquisador do A.C. Camargo Cancer Center apoiado pela FAPESP e coordenador do estudo.

Fabricação

Primeiramente, os pesquisadores produziram células CAR-T a partir de células mononucleares de sangue periférico de pessoas saudáveis, obtidas nos bancos de sangue do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, e do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro.

Além disso, coletaram células CAR-T produzidas a partir do sangue de pacientes com os dois tipos de tumor e usadas em seu próprio tratamento no A.C. Camargo Cancer Center.

As células CAR-T foram modificadas com o inibidor do complexo PRC2 e usadas para tratar (in vitro) os dois tipos de células tumorais refratários à imunoterapia. Como resultado, os tumores foram eliminados mais rápida e eficientemente do que as amostras tratadas com as CAR-T convencionais (sem a inibição do PRC2).

Os pesquisadores partiram então para testes em camundongos que desenvolveram os dois tipos de tumor. Após o tratamento com o inibidor de PRC2, as células CAR-T foram lavadas antes de serem injetadas nos animais, a fim de garantir que não haveria resquícios do inibidor e, portanto, evitar a ação do composto em células não desejadas e mitigar o risco de eventual toxicidade sistêmica. Depois de 39 dias, os animais que receberam as células CAR-T modificadas tiveram uma melhora superior aos tratados com as convencionais.

“A modificação feita nas células CAR-T induziu uma resposta mais persistente no organismo e resultou em maior eliminação do tumor, tanto in vitro quanto in vivo. A abordagem epigenética melhora a qualidade dessa imunoterapia e abre uma perspectiva bastante promissora”, afirma Medina.

Os pesquisadores planejam agora testar os possíveis efeitos colaterais da terapia em camundongos. Isso porque os tratamentos aprovados são conhecidos por causar um aumento exacerbado da inflamação nos pacientes. O problema é amenizado com medicamentos aprovados para esse fim, que são parte do protocolo da imunoterapia.

“Se os novos estudos apontarem que o tratamento é seguro, a inibição de PRC2 poderia futuramente ser incorporada à fabricação das células CAR-T, aumentando a eficácia da imunoterapia sem aumentar os riscos sistêmicos”, conclui Carvalho.

O trabalho contou com apoio da FAPESP também por meio de bolsas de doutorado e pós-doutorado concedidas a alguns dos coautores.

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Este conteúdo foi originalmente publicado em Estudo potencializa imunoterapia usada contra câncer no sangue no site CNN Brasil.

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