Num mundo onde todos querem bombar nas redes sociais, vale tudo para engajar e lucrar. Até mesmo comprar um bebê reborn hiper-realista e falar se sentir “realizada como mãe”.No vídeo, Yasmin Becker, de 17 anos, leva a sua “filha” ao médico. Aquele dia seria difícil para ela, já que sua “filha” estava com febre e precisava ir ao hospital. Tudo normal, já que nas redes sociais existem muitos vídeos de rotina e a categoria “mães de bebês” costuma dar um bom engajamento. A jovem sabe disso e, em seu canal no TikTok, avisa que “mostra sua rotina sendo mãe de dois aos 16”.
O problema aqui é que a filha da jovem não é um bebê de verdade, mas uma bebê reborn, uma boneca hiper-realista feita de silicone.
O vídeo é um exemplo de uma tendência que tem provocado choque ou diversão: a das “mães” de bebês reborn. Se você ainda não ouviu falar disso, talvez more em Marte.
Os bebês reborn são a trend (ou seria o surto?) do momento. Há de tudo: aniversário de bebê reborn, onde várias “mães” desses “bebês” levam seus “filhos” para festas com outras bonecas, com direito a presentes e lembrancinhas.
Existe até mesmo “parto” de bebê reborn. Sim, eu vi um, exibido em um programa de TV. A boneca vem em uma bolsa de água que simula um útero. É tudo muito realista e há até um cordão umbilical envolvido. Em algum momento, a “parteira” faz um corte no saco. Se é bizarro e ridículo? Muito.
E, para piorar, se você começar a ver esses vídeos, não consegue parar. Foi o que aconteceu comigo, confesso. Sempre tivemos fascinação pelo bizarro, desde quando ele só era exibido em programas vespertinos na TV.
E deve ser por conta do fascínio gerado por esses vídeos que ser mãe de bebê reborn virou uma tendência e, logo, uma boa oportunidade para quem quer acumular views, reconhecimento e dinheiro.
Adoção por influenciadoras
Uma prova disso: a mania já atrai até influenciadoras famosas. Num mundo onde todos podem viralizar e ser famosos por quinze minutos, vale tudo para engajar e lucrar. Até mesmo comprar um bebê reborn hiper-realista e falar que se sente “realizada como mãe”.
A própria Yasmin, aquela que levou uma boneca ao hospital, disse em entrevista que sempre gostou de bonecas realistas. Seria uma coisa normal para uma pré-adolescente, até que ela postou um vídeo no TikTok que viralizou e alcançou 10 mil seguidores.
“Vi que poderia fazer algo maior”, disse. De fato, ela fez. Virou “influenciadora reborn”. Para isso, criou uma personagem: uma mãe adolescente. Gênia.
Se rotinas de mães de adolescentes já fazem sucesso nas redes, imagina uma mãe adolescente de um bebe hiper-realista? Quanto mais fora da curva, mais queremos ver. Somos todos espectadores do absurdo. Resultado: hoje, ela tem mais de 132 mil seguidores no TikTok e o vídeo no qual ela leva o “filho” ao hospital tem 479 mil likes. Um sucesso total.
Passatempo ou tendência preocupante?
Mas nem todas as “mães” de bebês reborn viralizam na internet ou têm a intenção de produzir conteúdo. Algumas fazem isso por hobby mesmo.
Especialistas debatem se isso é saudável ou não. Em geral, eles concordam que pode ser apenas um passatempo e que isso é ok. Sim, existem homens que colecionam carrinhos e bonecos de ação, é verdade. Eles afirmam também que esses bebês podem ser usados terapeuticamente por mulheres que, por exemplo, perderam seus filhos. Tudo certo.
O que torna tudo perturbador é que essas “relações” entre “mães” e bonecos de silicone são filmadas e exibidas. “Acho que elas fazem isso como uma resposta neurótica ao trauma que é viver em uma sociedade que supervaloriza a maternidade”, disse minha amiga Jô, que, como eu, não tem filhos.
É verdade, a maternidade ainda é vista como um valor que te coloca em uma categoria “acima” como ser humano. Mas muitas “mães” de bebês reborn já têm filhos. Será que elas sentem saudades de quando eles eram nenéns ou apenas gostam de brincar de boneca? Não sei.
O que acho é que todas nós sentimos necessidade de pertencer a um grupo ou a uma tendência. E, por mais estranho que pareça para a maioria de nós, ser “mãe de bebê reborn” é a categoria do momento. Pelo menos até essa semana. Não, não acho que a febre veio para ficar. Logo aparece mais uma tendência bizarra na internet, muita gente copia, faz vídeos e…. vida que segue, até a próxima trend esquisita.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.