Multiplicação de valas clandestinas agrava crise de desaparecidos no México

"FamíliasGuerra contra as drogas fez disparar o número de pessoas desaparecidas no país. Novas covas ilegais encontradas em Teuchitlán são novo capítulo de um fenômeno que se agrava há décadas.A descoberta de sapatos, restos de roupas e ossos humanos carbonizados em um “campo de treinamento” do narcotráfico no município mexicano de Teuchitlán é apenas o capítulo mais recentes do mapa desolador dos desaparecidos no México, um país coberto de cemitérios clandestinos.

No local, identificado como um centro de extermínio usado pelo cartel, voluntários encontram centenas de objetos pessoais e restos mortais após seguirem uma denúncia anônima em meados de março. A descoberta agravou a crise enfrentada no país. Seis meses antes, a Guarda Nacional havia estado no local e iniciado trabalhos de busca, mas encerraram as atividades com poucos avanços. A presidente Claudia Sheinbaum ordenou uma investigação para apurar possível omissão dos agentes públicos.

“Teuchitlán, infelizmente, veio para abrir os olhos não apenas do México, mas do mundo inteiro, para que percebam que os desaparecimentos aqui são um fenômeno horrível que vem ocorrendo há anos e só vem piorando”, disse Aranzazú Ayala Martínez, da organização Quinto Elemento Lab, à DW.

“Há pelo menos dez anos, as famílias dos desaparecidos estão procurando, denunciando, fazendo manifestações, mobilizando-se, realizando caravanas, bloqueando estradas, apresentando-se diante de presidentes, e ninguém nunca as ouviu. Nenhum governo mexicano está isento de responsabilidade, e estou falando dos três níveis de governo”, continua a jornalista mexicana, especializada em questões de direitos humanos.

Registros oficiais

De acordo com o Registro Nacional de Pessoas Desaparecidas e Desaparecidos (RNPDNO), de 1952 até hoje, mais de 354.000 pessoas desapareceram no país. Dessas, mais de 126.000 ainda não foram encontradas. As outras mais de 228.000 vítimas foram localizadas – vivas ou mortas.

O registro é alimentado principalmente pelasinvestigações abertas pelas promotorias estaduais, pela Cidade do México e pela Procuradoria Geral da República.

“No entanto, houve exercícios contrastantes em que os relatórios estaduais não coincidem com os relatados pelo registro nacional, às vezes com uma diferença de 3,5 para 1, ou casos como o de Jalisco, que, apesar de ser o estado com o maior número de pessoas desaparecidas, muitas vezes não informa seus dados à comissão de busca”, observa Michael W. Chamberlin, diretor da consultoria de direitos humanos Consultora Solidaria SC.

Além disso, considerando a subnotificação, Chamberlin teme que o número de pessoas desaparecidas possa ser “exponencial”. De acordo com uma pesquisa do Instituto Nacional de Estatística e Geografia do México, em 2024, 92,9% dos crimes não foram denunciados ou as autoridades não iniciaram uma investigação.

“Grave crise forense”

Ayala Martínez também enfatiza que no México há 70.000 corpos não identificados nos necrotérios e nos serviços médicos forenses. “Estamos passando por uma grave crise forense também em decorrência dos desaparecimentos”, enfatiza.

O fenômeno dos desaparecimentos começou nas décadas de 1960, 1970 e 1980 como uma estratégia para perseguir dissidentes políticos armados, disse Chamberlin, que atua na defesa de direitos humanos no México há últimos 30 anos.

“Na época, cerca de 580 pessoas foram oficialmente contadas como desaparecidas, enquanto os coletivos [movimentos sociais] relataram pelo menos 1.000. Desde a guerra contra as drogas em 2006, o número de casos se multiplicou para 126.000”, acrescenta.

Somente nos primeiros 100 dias do governo da presidente Claudia Sheinbaum, 4.000 pessoas foram registradas como desaparecidas.

Mapa de covas clandestinas

Como parte do projeto “Para onde vão os desaparecidos”, do qual a jornalista Aranzazú Ayala Martínez é coordenadora executiva, foi elaborado em 2018 o primeiro mapa de covas clandestinas no país. Atualmente, não há dados oficiais sobre esse assunto disponíveis ao público. A maior parte das informações é baseada em esforços da sociedade civil.

A Universidade Ibero-Americana (Ibero), por exemplo, tem seu próprio banco de dados, que é alimentado com descobertas publicadas na imprensa nacional e local.

Andrea Horcasitas Martínez, chefe do programa de direitos humanos da Ibero, diz à DW que, entre 2006 e maio de 2024, foram encontradas 3.298 covas clandestinas. Cinquenta e um por cento das descobertas estão concentradas nos estados de Guerrero, Veracruz, Sonora, Guanajuato e Jalisco.

“Apesar de ter um número menor de covas, Jalisco é o estado onde foi encontrado o maior número de corpos, 1.128”, observa Horcasitas.

“Na Cidade do México, há descobertas diárias de restos humanos, de corpos jogados nas florestas ao redor; em Chihuahua, nas montanhas; em Sonora, no deserto; em Tamaulipas, há locais de extermínio, onde os restos mortais são queimados”, explica.

Como esse crime é processado?

O desaparecimento forçado perpetrado por agentes do Estado ou indivíduos particulares são criminalizados no México desde 2017. Anteriormente, os desaparecimentos por particulares não eram processados, apenas no caso de sequestros para pagamento de resgate.

A lei de 2017 levou à criação do sistema nacional de busca de pessoas, com uma comissão nacional e comissões estaduais. “No entanto, na prática, o sistema não funciona. As autoridades, longe de se coordenarem, investigam cada caso como se fosse isolado e as autoridades políticas negam sistematicamente o fenômeno e, na melhor das hipóteses, acusam grupos criminosos e não assumem a responsabilidade”, diz o defensor de direitos humanos Michael W. Chamberlin.

Por sua vez, Ayala Martínez, da Quinto Elemento Lab, denuncia que “não só os desaparecimentos não param, mas os corpos, os cadáveres, as repatriações estão se acumulando e outros problemas estão sendo incorporados, por exemplo, com o dos migrantes”, comenta, fazendo alusão a pessoas de outros países que desaparecem no México, o que acrescenta ainda mais complexidade ao fenômeno das pessoas cujo paradeiro é desconhecido.

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